Em abril de 2013, Eduardo Fosch dos Santos, 17 anos, foi encontrado agonizando em um condomínio da zona sul de Porto Alegre sete horas depois do fim de uma festa. Socorrido tardiamente, ele acabou morrendo dias depois. Após quase oito anos, a mesma família que teve de contratar um perícia particular para reabrir o caso em 2014 para tentar comprovar que houve crime, e não acidente, recorreu em dezembro deste ano à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos.
O objetivo é responsabilizar o Estado brasileiro pela demora em dois processos judiciais, um na área cível sobre reparação de danos, e outro na área criminal, após um segurança e um supervisor de segurança da festa terem sido denunciados pelo Ministério Público.
A advogada da família de Eduardo, Lesliey Gonsales, diz que recorrer a um órgão internacional foi a única alternativa encontrada no momento devido à morosidade neste caso. Ela espera a responsabilização do Estado por violação do direito à vida e da integridade do adolescente, e alega ainda estar ocorrendo uma violação das garantias judiciais.
— Foi a forma que a gente encontrou para que o Judiciário se mexesse num processo que toda vez tem problema. As medidas adotadas pelo Estado são insuficientes, inadequadas e ineficazes para investigar, julgar e sancionar os responsáveis pela morte, bem como para a reparação dos danos sofridos — ressalta Lesliey.
A família entende que Eduardo foi morto por ser negro e ter sido confundido com um penetra em uma festa em que havia cerca de 150 jovens. O advogado Marcelo Andrade de Azambuja, que representou os pais do adolescente na denúncia feita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos nos Estados Unidos, espera a condenação do Estado brasileiro para evitar que ocorra uma impunidade em delitos cometidos contra pessoas negras no Brasil. Segundo ele, a não punição seria uma mensagem de que esse tipo de violência é tolerada, o que favorece sua perpetuação e aceitação social.
A luta da família
Jussara Regina Fosch, 54 anos, mãe de Eduardo, também espera pela responsabilização do Estado, mas, mais do que isso, quer que os responsáveis pela morte de seu filho sejam condenados.
– Ele foi brutal e cruelmente agredido e abandonado agonizando inconsciente por sete horas sem receber socorro. Eu sequer consigo imaginar o sofrimento que meu filho experimentou naquela manhã de 28 de abril de 2013. Eu sigo lutando por justiça, apesar de ser muito doloroso - lamenta Jussara.
Ainda em 2013, a Polícia Civil encerrou o caso por não encontrar indícios de crime. Ela e o marido, que tiveram de contratar um perito particular para confirmar que Eduardo não havia caído de uma escada, mas que foi arremessado por alguém no condomínio na zona sul da Capital, disseram que o filho era surfista e skatista. Por isso, entendem que seria praticamente impossível ele se afastar dos amigos e, do nada, ter escorregado em uma escada fora do ambiente da festa. Além disso, os amigos do jovem afirmaram às autoridades que ele estava lúcido da última vez que o viram durante o evento.
O laudo pericial particular apontou que lesões no dorso de uma das mãos do adolescente indicaram cortes, como se tivesse dado socos para se defender. Já as lesões na cabeça indicaram que ele foi vítima de um golpe com um objeto contundente, causando traumatismos graves na nuca. Além disso, o padrão do sangue no chão e na parede, e a ausência de lesões nos cotovelos e tornozelos apontaram que Eduardo estava desacordado ao ser lançado sem reação em direção a um desnível entre duas residências no condomínio.
Reabertura do caso
Com essa nova informação, o Ministério Público não só obteve a autorização judicial para reabrir o caso, como denunciou o segurança da festa Isaias de Miranda por homicídio triplamente qualificado, envolvendo motivo fútil, meio cruel e com recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
O policial civil e supervisor de segurança do condomínio, Luis Fernando Souza de Souza, também foi denunciado, mas por fraude processual. A Promotoria entendeu que, após o crime, ele determinou a limpeza do local em que a vítima foi encontrada e apagou as gravações das câmeras de monitoramento, não permitindo que todas as imagens permanecessem armazenadas. Também deixou de acionar a polícia, dificultando a perícia, além de não providenciar a preservação e isolamento do local.
A denúncia, que ocorreu no final de 2015, foi aceita pela Justiça. Além do processo criminal no 1º Juizado da 2ª Vara do Júri do Foro Central de Porto Alegre, a família de Eduardo ingressou com processo no 2º Juizado da Vara Cível do Foro Regional da Tristeza pedindo reparação de danos aos proprietários da casa em que houve a festa e ao condomínio.
Processos
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul diz que os processos estão dentro da normalidade. Na área criminal, a juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva diz que houve várias movimentações processuais — cerca de 15 consideradas mais importantes, sendo a mais recente dia 4 de dezembro de 2020. Entre as movimentações referidas, houve seis audiências e um novo pedido ao Instituto-Geral de Perícias (IGP), reiterando ofício sobre exumação do corpo para auxiliar na apuração dos fatos.
Além disso, foi marcado o interrogatório dos réus para janeiro de 2021. Esse interrogatório iria ocorrer em março deste ano, mas foi suspenso devido o cancelamento de atividades presenciais por causa do risco de contaminação pelo coronavírus.
Na área cível, o juiz Vanderlei Deolindo, que assumiu o caso somente em dezembro de 2019, ressalta que, em anos anteriores, houve inúmeros atos processuais praticados por ambas as partes. Apesar de retardar algumas datas, o processo segue o curso normal e uma audiência vai ocorrer no primeiro semestre do próximo ano.
Também foi indeferido um pedido de suspensão, pelo menos até o fim do caso na esfera criminal. O Poder Judiciário ainda informa que, neste ano, houve prejuízos de forma geral no andamento de vários processos devido ao distanciamento social.
Segundo a família de Eduardo, na área criminal só teve movimentação depois da denúncia feita neste mês à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A Justiça contesta ao mostrar que tem, inclusive, decisão dias antes da denúncia.
Já o IGP, diz que aguarda detalhes técnicos da Justiça há alguns meses, como por exemplo, indicar a localização do corpo do adolescente dentro do cemitério, para realizar a exumação.