Pouco mais de três meses após ser preso de forma preventiva, um terapeuta holístico de Canoas, na Região Metropolitana, deixou a prisão. Réu por violação sexual mediante fraude, ele permanecerá monitorado com tornozeleira eletrônica durante o processo e está proibido de exercer qualquer atividade relacionada às terapias que oferecia antes de ser detido. Ao longo da investigação, 10 mulheres relataram à Polícia Civil ter sido vítimas de Rogério Pizzato, 35 anos, durante as sessões nas quais buscavam tratamento.
A decisão de revogar a prisão preventiva foi do juiz Jaime Freitas da Silva, da 4ª Vara Criminal de Canoas. O magistrado optou por aplicar medidas cautelares, entre elas a proibição de que o réu exerça as terapias que oferecia. Pizzato também não poderá realizar propagandas ou comunicação por meio de redes sociais e YouTube.
A decisão prevê ainda que o réu não possa manter contato com vítimas (deve observar distância mínima de 500 metros delas) e testemunhas. As outras medidas estabelecidas foram comparecer mensalmente em juízo, não alterar endereço ou viajar para o Exterior sem autorização judicial, entregar seu passaporte, permanecer em casa a partir das 21h, comparecer a todos os atos processuais e não se envolver em novos ilícitos.
Em sua decisão, o juiz ponderou que, caso seja condenado pelo crime de violação sexual mediante fraude, o terapeuta deverá receber pena em outro regime, e não o fechado. Isso porque a pena prevista para esses casos fica entre dois e seis anos de reclusão. Para o magistrado, isso indica que não seria razoável manter o terapeuta preso. Se descumprir qualquer uma das medidas, deverá ter novamente decretada a prisão preventiva.
O Ministério Público se manifestou contra a liberdade provisória, mas pediu que, caso fosse solto, o réu passasse a usar tornozeleira eletrônica — solicitação atendida pelo juiz. Segundo o promotor Gabriel Cybis Fontana, na audiência do dia 13 de outubro foram ouvidas as últimas das 19 testemunhas de acusação. Foi nessa sessão que a Justiça determinou a liberdade provisória do réu. O promotor informou que ingressou com recurso no Tribunal de Justiça, pedindo que o réu seja preso novamente — o recurso aguarda manifestação da defesa.
"Nos sentimos humilhadas", diz vítima
Uma das primeira mulheres a procurar a polícia, no fim de abril, para relatar os casos de violação sexual, uma moradora da Região Metropolitana diz que a decisão sobre a revogação da prisão lhe causou frustração, mas acredita que o caso resultará em condenação. A vítima conta que, além do processo em si, precisou lidar com a culpa e o julgamento, já que muitas pessoas questionam porque ela se submeteu às sessões por mais de um ano. Com medida protetiva, ela segue em tratamento psicológico e psiquiátrico. Além disso, buscou o apoio de pessoas próximas.
Precisamos continuar e intensificar, para que mais mulheres sejam ouvidas, que seus relatos sejam validados e elas possam ser protegidas.
VÍTIMA
Moradora da Grande Porto Alegre
— É um processo muito difícil de compreender, subjetivo. No momento de fragilidade, onde buscou uma cura, vem uma pessoa e te anula psicologicamente e te condiciona a uma dependência emocional. É uma dor psíquica imensa. Tu não consegue aceitar. Nega que está sendo abusada. Nisso, entra a ignorância das pessoas, de acreditar que “ela gostou”. Mas ela continua voltando, por medo, pela dependência emocional e pela extrema vulnerabilidade e fragilidade daquele momento. Nos sentimos humilhadas, julgadas, culpadas, mesmo não tendo culpa — descreve.
Durante a investigação, a polícia percebeu que as vítimas relatavam, além dos contatos sexuais, a manipulação e o controle. Essa situação fazia com que elas submetessem, inclusive, decisões do seu dia a dia ao terapeuta.
No início desta semana, a moradora da Região Metropolitana recebeu, por intermédio de uma assistente social, a carta de uma mulher que conta ter sido atendida pelo mesmo terapeuta. No documento, relata que não sofreu abuso sexual, mas diz ter tido traumas psicológicos e agradece pelas demais não terem se calado.
“Me reconheci nos relatos, nas formas de manipulação, nas maneiras que ele encontrava de roubar nossas certezas e mantê-las como reféns. (...) Só tive minhas certezas de volta agora, graças à coragem de vocês. Percebo agora que foram sequelas graves de muita manipulação”, escreveu a mulher. Após ler a carta, a vítima diz que se sentiu mais encorajada.
— O que sempre me fortaleceu a continuar era pensar que poderia estar ajudando outras mulheres. Não estava fazendo isso só por mim. Pensava nas mulheres que estavam caladas, sofrendo, com aquele peso, a culpa, o trauma, a vergonha. Ler o relato dela me fortaleceu. Precisamos continuar e intensificar, para que mais mulheres sejam ouvidas, que seus relatos sejam validados e elas possam ser protegidas. Hoje estou mais fortalecida, em tratamento, curando esse trauma que ficou sim na minha vida. E reconstruindo a minha vida — descreve.
A investigação
As mulheres ouvidas ao longo da investigação relataram abusos entre 2015 e maio deste ano — Pizzato atuava como terapeuta holístico há oito anos. A violação sexual mediante fraude é um crime diferente do estupro, por exemplo. Nesse caso, não havia violência ou grave ameaça.
Segundo a delegada Clarissa Demartini, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Canoas, as vítimas eram convencidas de que aquilo era um tratamento, e, por isso, submetiam-se aos contatos sexuais. As mulheres relataram que acreditavam ser um processo de cura.
Elas pagavam, em média, R$ 120 por sessão — uma das vítimas contou ter pago cerca de R$ 25 mil pelos tratamentos. Conforme a investigação, os atendimentos costumavam iniciar com conversas e, ao longo das sessões, Pizzato oferecia a chamada “terapia sexual”, onde passavam a acontecer os contatos físicos com as mulheres. Em pelo menos um dos casos, houve relato de relação sexual.
Em depoimento à polícia, ele admitiu os contatos sexuais com as mulheres, mas negou os abusos. O terapeuta alegou que tudo fazia parte do tratamento.
A defesa
Responsável pela defesa, Valdir Florisbal Jung afirma que no pedido de revogação da prisão preventiva argumentou, entre outros pontos, que o réu é primário e possui residência fixa. Além disso, segundo o advogado, testemunhas de acusação e vítimas já foram ouvidas no processo. Segundo o criminalista, o réu está cumprindo todas as cautelares, entre elas a de retirar do ar suas redes sociais. O terapeuta ainda será interrogado durante a instrução do processo.
— Diante dessas medidas estabelecidas pelo juiz, em decisão acertada, o risco à ordem pública não se faz mais presente. Ele está monitorado 24 horas por dia, vem contribuindo com o processo. Não há necessidade de mantê-lo preso, não se justifica. Inclusive, causou estranheza o Ministério Público ter ingressado com recurso, uma vez que ele pôs condições como uso da tornozeleira e a defesa aceitou. Em relação ao caso, a instrução do processo vai provar a inocência dele — disse o advogado.