(O nome usado nesta reportagem é fictício, para preservar a vítima)
Pouco mais de dois meses após buscar ajuda da polícia, Luísa, 35 anos, tenta se recuperar dos traumas sofridos ao longo do último ano. A moradora da Grande Porto Alegre foi a primeira a registrar ocorrência contra Rogério Pizzato, 35 anos. O terapeuta holístico está preso há uma semana, por suspeita de abusar de mulheres durante as sessões que realizava em Canoas, na Região Metropolitana. Ele admite os contatos sexuais, mas afirma que faziam parte de tratamento.
Quando recorda do período em que submeteu ao que o terapeuta dizia ser "sua cura", Luísa se desespera. Para descrever o que viveu, usa uma palavra que lhe faz chorar: "adestramento". Lida com o trauma, a culpa, o medo, a vergonha e a tentativa de recomeço. Por outro lado, encontra força no fato de que, após o relato dela, outras mulheres se encorajaram. Com ela, já são sete que buscaram a Delegacia da Mulher de Canoas e relataram terem sido vítimas do mesmo homem. Duas só fizeram o registro após o terapeuta ser preso.
Luísa buscou a Polícia Civil no fim de abril, após conseguir encerrar mais de um ano de terapia. Com as sessões, que custavam R$ 120 cada, e os cursos, acredita que investiu cerca de R$ 20 mil no que acreditava ser um tratamento para problemas pessoais. Mas os maiores prejuízos, entende, não podem ser mensurados.
— Ele te convence que é um mestre. Tu achas que está sendo curada. Sei que é uma coisa forte, mas é como um adestramento. Ele te adestra. Te condiciona. Ele dizia que o propósito da vida dele era auxiliar na cura do ser humano. Que só queria me ajudar. Foi todo um processo de manipulação, de convencimento, de conquista da confiança. As pessoas julgam, dizem "como ela voltou lá? Por que não denunciou antes?". Eu paralisei. Não conseguia fugir. Negava para mim que estava sendo abusada — descreve, aos prantos.
Entre o momento em que conheceu Pizzato, em um evento no fim de 2017, até a primeira sessão se passou cerca de um ano. Durante esse período, relata que ele insistia para que ela se submetesse à terapia e dizia que poderia ajudá-la, com o empoderamento feminino. Luísa chegou a frequentar um curso, de forma gratuita.
Depois disso, diz que se sentia em dívida, e decidiu aceitar a terapia quântica. Os atendimentos aconteciam em Canoas e Porto Alegre. Ela conta que, após um tempo, Pizzato sugeriu a terapia sexual, como forma dela recuperar a confiança nos homens e ter relacionamentos saudáveis. Mas ele não detalhava como seria o tratamento e pedia sigilo. No início de 2019, ela aceitou.
— Ele dizia que ia curar o meu masculino, que ele seria como meu espelho. Começou passando a mão nas minhas pernas, eu resisti. Quando resistia, ele dizia que era minha cura e que tinha que confiar. Fiquei muito amedrontada e acabei cedendo. Depois, tinha que passar a mão no corpo dele. Após algum tempo, ele disse que minha cura era fazer sexo oral nele — descreve.
Tinha muito medo, culpa, vergonha, e não sabia como sair. Aceitar essa crueldade é uma das partes mais difíceis. Conforme me afastava, minha consciência ia voltando. É como se eu voltasse à vida.
LUÍSA
35 anos
Luísa conta que chegou a questionar se ele não considerava aquilo uma traição, já que era casado. Relata que nestes momentos ele era mais persuasivo, negava os abusos e fazia ela se sentir mal por ter desconfiado. Diz que, aos poucos, começou a ter mecanismos de defesa. Falava sem parar durante as sessões para não dar tempo de chegar nos contatos. Conforme conseguia espaçar as sessões, que chegaram a acontecer toda semana, passava a ver as coisas de outra forma.
— Ele fazia eu me sentir mal. Como pude pensar em abuso, se era uma terapia, um tratamento. Que ele estava se propondo a me curar. Dizia que eu estava resistindo e por isso a minha vida ia continuar assim. Que ele ia desistir de me ajudar. Eu ia perder essa encarnação, pela desobediência, arrogância, resistência. Por não escutar ele. Que iria ficar sozinha. Ele anula psicologicamente a pessoa. Tu começas a achar que não sabe nada (chora). Que é culpada, por ser ignorante, arrogante (chora). Que só ele sabe, e tu tens que escutar. É uma coisa tão perversa — relata.
A pessoa que passou por isso não te julga. Sabe que não teve culpa, que não quis, que não, não gostou. Mas paralisou. Voltou porque tinha medo.
LUÍSA
35 anos
Aos poucos, foi se afastando, argumentava que estava sem dinheiro para pagar as sessões. Até que no fim de abril conseguiu procurar a polícia e registrar o caso. No relato das demais vítimas, percebe que outras viveram o mesmo e encontra apoio. Atualmente, conta com ajuda psicológica e psiquiátrica, para depressão, e também da terapia holística, para trabalhar o lado espiritual. Defende que existem profissionais sérios e pede para que não sejam feitas generalizações.
— Recebi apoio da minha família. Então me encorajei. Peguei toda essa dor e coloquei como propósito ajudar outras mulheres. Ou ele não teria parado. Muitas já tinham sido abusadas e não conseguiam falar ou, quando falavam, eram desacreditadas. Dar credibilidade à elas me fortalece. Para eu continuar a minha vida. Espero que eu consiga superar tudo isso. Que volte a ter paz. Que as pessoas acolham e não julguem, que tentem entender, informem-se. E, mais do que isso, que as mulheres se unam. Nós podemos dar força umas às outras — afirma.
Investigação
A delegada Clarissa Demartini já ouviu sete mulheres que afirmam terem sido vítimas de Pizatto. A sétima — que procurou a polícia na última quarta-feira (1) — é uma mulher com cerca de 25 anos, que iniciou a terapia em fevereiro e seguiu até maio. Segundo a policial, ela relatou vários contatos sexuais que aconteceram durante esse período. Um dos casos identificados teria acontecido em 2015.
— Em outros depoimentos verificamos o mesmo modus operandi de encaminhar o tratamento, ainda que veladamente, para o contato sexual. Ainda temos mulheres para ouvir e pode ser que esse número aumente novamente — explica a titular da Delegacia da Mulher de Canoas.
O inquérito do caso deverá ser remetido à Justiça nesta quarta-feira (8), por conta do prazo de 10 dias, a contar da data da prisão. Celular e notebook apreendidos na casa do terapeuta estão sendo periciados, em busca de possíveis provas. Além dos relatos, as mulheres também apresentaram indícios dos abusos.
Preso de forma preventiva, ele deve ser indicado por violação sexual mediante fraude. O crime difere do estupro, que depende de violência ou grave ameaça. Neste caso, é empregado algum meio para enganar a vítima, como pretexto para os abusos.
Depoimento
À polícia, Pizzato afirmou que atua como terapeuta há oito anos, com atuação inclusive em outros Estados, como São Paulo e Minas Gerais. Segundo a polícia, admitiu os contatos sexuais, mas negou que tenham acontecido abusos. Afirmou que fazia parte do tratamento. Não havia registros anteriores contra o terapeuta. O advogado, que acompanhou o depoimento, informou ainda no dia da prisão, que deixou o caso e que outro profissional seria escolhido pela família. Segundo a polícia, após isso, nenhum advogado se habilitou como responsável pela defesa.
Como denunciar
- Delegacia da Mulher de Canoas - (051) 3462-6700
- Disque-Denúncia - (051) 98459-0259