Nas redes sociais, o terapeuta holístico Rogério Pizzato, 35 anos, divulgava mensagens nas quais prometia prosperidade e felicidade. Mas os relatos que chegaram à Polícia Civil de Canoas, na Região Metropolitana, retratam outro lado desta história.
Pelo menos seis mulheres contam ter sido vítimas do mesmo homem e se dizem traumatizadas — os investigadores acreditam que possam haver mais casos. A sexta, que afirma ter sido atendida por ele há cinco anos, procurou a polícia após a prisão preventiva do suspeito, na segunda-feira (29).
Foi a partir de dois registros realizados no mesmo dia que a polícia passou a investigar a forma de atuação do terapeuta. As duas mulheres apresentavam relatos semelhantes. Tinham buscado ajuda para problemas pessoais, mas os atendimentos acabaram evoluindo para contatos sexuais. Segundo a polícia, o suspeito iniciava as sessões com conversas, que passavam para toques no corpo da paciente. O contato evoluía a cada sessão, quando sugeria para que elas tocassem nele — em pelo menos um dos casos houve relação sexual. No entendimento da polícia, o que aconteceram foram casos de violação sexual mediante fraude.
— Este crime é muito diferente do estupro, que sempre vai estar presente a violência ou grave ameaça. Neste, existe a relação consentida, mas o consentimento só aconteceu porque elas acreditavam que aquilo fazia parte do tratamento, que teriam prosperidade. Se fosse a relação pela relação, elas não aceitariam. Isso tudo fazia parte de um tratamento, era assim que ele vendia. Ele não dizia que aquilo era uma relação sexual e sim um tratamento — explica a delegada Clarissa Demartini, da Delegacia da Mulher de Canoas.
Além dos relatos, segundo a delegada, as mulheres apresentam outros pontos em comum, como tensão, culpa, dificuldade de se perceberem como vítimas e o fato de que enxergavam o terapeuta como espécie de líder. Isso tudo revela, na visão da polícia, a dependência emocional que era estabelecida entre Pizzato e as vítimas.
— Elas possuem relatos semelhantes. Essas pacientes chegavam até ele com fragilidades. Ele acabava se valendo desse momento onde a mulher expõe os problemas para criar um vínculo afetivo e de dependência. As mulheres se sentiam dependentes dele. Uma moça relatou que se via na obrigação de pedir autorização para ele, até para decisões do dia a dia. Isso evoluía para a terapia sexual, que ele oferecia como forma de empoderamento feminino — detalha a delegada.
Além da prisão do investigado, a polícia cumpriu na segunda-feira mandado de busca e apreensão na casa dele em Canoas. No local, foram recolhidos um celular e um notebook, que serão analisados. Também foram localizadas anotações sobre pacientes. Esses materiais devem servir de pistas para que os investigadores tentem localizar outras possíveis vítimas.
Na tarde de segunda-feira, após a prisão ser divulgada, uma mulher procurou a delegacia. Ela contou que foi atendida pelo terapeuta em 2015 e relatou também ter sido abusada. A vítima mais recente identificada pela investigação é uma mulher que foi atendida em março deste ano. Uma característica relatada pelas mulheres é de que o terapeuta pedia que elas mantivessem sigilo sobre a técnica aplicada, como um segredo entre paciente e terapeuta. Contam que eram orientadas a não comentar com ninguém o que acontecia.
— Quando olhamos para o perfil dessas mulheres vemos que algumas têm formação acadêmica, são profissionais independentes, esclarecidas. A maioria jovens, com idade entre 30 e 40 anos. Mas havia dessa dependência. Os relatos delas são muito tensos, com muitas emoções, muita dor. É muito delicado, inclusive se reconhecer como vítima. É importante que se encontre essa rede de apoio porque alguns relatos podem ser desacreditados. Isso é uma característica da nossa sociedade machista. É importante que as mulheres venham até a delegacia e relatem o que passaram — diz a delegada.
Preso confirma contatos sexuais, mas nega abuso
Em depoimento à polícia, Pizzato afirmou que atua como terapeuta há oito anos, com atuação inclusive em outros estados, como São Paulo e Minas Gerais. Fundador do Instituto Rogério Pizzato, nas redes sociais se identifica como bioterapeuta quântico. Com a promessa de "resultados incríveis", dizia aplicar a técnica criada por ele, chamada "Apometria Sistêmica". Na descrição de seu perfil, afirmava que milhões de pessoas assistiram suas palestras ou se submeteram as técnicas das quais criou. Após a prisão, a página do instituto, criado em julho de 2018, desapareceu das redes sociais, assim como o perfil do terapeuta.
Uma das formas descritas pelo próprio investigado durante o depoimento à polícia envolvia a utilização de espelhos. Segundo o relato das mulheres, ele argumentava que elas não estavam se relacionando com ele e sim com seu próprio lado masculino. Os tratamentos eram pagos — uma das mulheres relatou valores de até R$ 25 mil. Segundo a polícia, não havia um local somente para os atendimentos, já que eram sublocadas clínicas.
— Neste sentido, ele admite os contatos sexuais. Mas alega que estavam dentro da terapia. Questionei quais as referências dele para aplicar esse tipo de terapia, ele não conseguiu me responder. Disse que foi criado a partir de várias e aplicando — explica Clarissa.
Segundo a polícia, não havia registros anteriores contra o terapeuta. Na segunda-feira, o advogado Hamilton Rodrigues de Oliveira, que inicialmente se apresentou como responsável pela defesa do terapeuta, informou que não está mais no caso e que um novo profissional estava sendo escolhido pela família de Pizzato. Até o momento, GaúchaZH não conseguiu contato com familiares do investigado.
Como denunciar
- Delegacia da Mulher de Canoas - (051) 3462-6700
- Disque-Denúncia - (051) 98459-0259