Em busca de cura para a irmã, uma professora de Taquara, no Vale do Paranhana, procurou atendimento do médium João de Deus entre 2008 e 2010. A gaúcha relata que em duas visitas a Abadiânia, no interior de Goiás, foi vítima de abusos. João Teixeira de Faria, 76 anos, teve a prisão preventiva decretada pela Justiça nesta sexta-feira (14), após uma série de mulheres contar ter sofrido o mesmo tipo de violência.
A educadora é a sexta a relatar para GaúchaZH ter sido abusada por João de Deus. Os depoimentos são semelhantes. Até o fim da tarde desta quinta-feira (13), no Rio Grande do Sul, 10 mulheres já haviam procurado o Ministério Público para denunciar o médium. A professora, de 39 anos, diz que inicialmente viajou até a Serra, onde João de Deus atendia pessoas, no limite entre Canela e Três Coroas. Com diabetes, a irmã dela sofria uma série de complicações.
— Ele sempre me dizia que eu era médium, que precisava ir para Abadiânia. Toda vez dizia isso. Até que eu fui — relata.
A gaúcha viajou até o interior de Goiás, onde buscou atendimento na Casa Dom Inácio de Loyola, onde fica uma espécie de hospital espiritual comandando pelo médium. Ela conta que ele insistia que ela poderia sucedê-lo nos atendimentos, caso aceitasse trabalhar com ele. A mulher diz que o médium teria pedido para que ela segurasse a bandeja onde ficavam os instrumentos dos atendimentos. João de Deus teria pedido para que fosse ao atendimento individual.
— Ele disse que gostaria que eu fosse morar em Abadiânia e me levou para um corredor. Ali tinha um colchão. Ele me mandou deitar e virar para a parede. Deitou do meu lado e disse para colocar a mão para trás, tocar nele. Rezar uma Ave Maria. Eu não estava me sentindo confortável — conta.
A professora diz que levantou e se recusou a continuar. O médium teria ficado irritado com a situação. A professora seguiu para a pousada, onde estava hospedada. Ela diz que não conseguia compreender a situação.
— Pensava: "Será que minha mente é suja?". Estava pensando maldade de uma pessoa tão boa. Entendia que a minha mente era suja. Eu me culpava. Minha mãe continuou levando a minha irmã. Eu continuei indo porque achava que a errada era eu — conta.
Tu pensa que tua cabeça está errada. Só entendi quando soube dos outros casos. Fiquei com vergonha até dos meus pensamentos. 'Como estou pensando isso de uma pessoa tão boa?'. Eu chorava. E pensava: 'Ninguém vai acreditar em mim'.
Dois anos depois, quando a irmã teve novas complicações, a professora voltou para Abadiânia. Diz que novamente foi chamada à sala do médium sozinha. Outra vez, João de Deus teria insistido para que ela tocasse seus órgãos genitais.
— Tu pensa que tua cabeça está errada. Só entendi quando soube dos outros casos. Fiquei com vergonha até dos meus pensamentos. "Como estou pensando isso de uma pessoa tão boa?". Eu chorava. E pensava: "Ninguém vai acreditar em mim" — conta.
A professora diz que até hoje relatou a poucas pessoas o que aconteceu. Mesmo após as denúncias, ela ainda não sabe se irá ao Ministério Público depor.
— As pessoas endeusam ele, Abadiânia vive em torno dele. Eu quis esquecer, para não me machucar mais. Apaguei isso. Mas agora, vendo essas histórias, volta tudo aquilo. As vítimas ainda são vistas pela sociedade com preconceito.
Confira trecho do depoimento:
"Ele disse que queria trabalhar em mim para eu poder trabalhar a minha irmã em casa. Ele me puxou para sentar no colo dele, eu levantei. Perguntou se eu tinha algum metal no corpo. Disse que tinha no sutiã. Então mandou tirar. Eu tirei, sem tirar a blusa, por baixo. Ele tocava no meu peito e passava a mão pelo meu corpo.
Depois sentou numa cadeira e pediu para que eu ajoelhasse e colocasse as mãos nas pernas dele. Fechei os olhos e comecei a rezar. Ele pegou a minha mão e começou a puxar forte. Eu não abria os olhos, não queria ver. Mas recuava com a mão. Até que ele ficou com raiva e disse: 'Pode ir embora. Tu não confia em mim, é ingrata'.
Peguei minha bolsa e saí dali daquela forma, com o sutiã na mão. Fui para a pousada e só queria lavar as minhas mãos. Não sabia o que pensar. Comecei a chorar. Contei para um amigo. É absurdo agora ele dizer que não fazia atendimentos individuais. Os trabalhadores da casa, todo mundo sabe disso."