Desde que relatos de mulheres sobre abusos por parte de João Teixeira de Faria, 76 anos, o João de Deus, foram divulgados no sábado (8) pelo programa Conversa com Bial, histórias semelhantes tem se replicado pelo país. O Ministério Público decidiu criar força-tarefa para colher depoimentos das vítimas. GaúchaZH ouviu três mulheres do Rio Grande do Sul, que contam ter sido vítimas do médium.
João de Deus fazia atendimentos no Estado em uma casa no limite entre Canela e Três Coroas, na Serra. Arrastava multidões em busca de cura. As mulheres ouvidas pela reportagem estiveram neste local e também em Abadiânia, no interior de Goiás, onde o médium realiza atendimentos. Ele mantém no município a Casa Dom Inácio de Loyola, espécie de hospital espiritual, fundado em 1976.
Segundo as vítimas, João de Deus deixou de realizar atendimento na casa no RS em 2012, depois que jovens relataram ter sofrido abusos. Uma delas, com apenas 17 anos na época, não quer mais falar sobre o caso. O episódio teria ocorrido em 2012, conforme o relato de uma amiga que a acompanhava e diz ter sofrido o mesmo tipo de violência cerca de 10 vezes. A irmã dela, moradora da Região Metropolitana, também conta ter sido vítima do médium.
— Ele me pediu para colocar a mão no pênis dele. Eu achava que aquilo não estava certo, mas ele dizia que eu precisava ser curada. Aquilo mexe com teu emocional — conta a jovem.
As irmãs eram voluntárias na equipe do médium e auxiliavam nos atendimentos. Por isso, viajaram para o interior goiano para acompanhá-lo.
— Ela entrou na sala e fiquei aguardando do lado de fora. Quando ela saiu chorando, perguntei o que foi, ela disse: "Não posso falar aqui". Olhei e disse: "Não precisa me falar, já sei o que aconteceu". Quando a gente foi indo de volta para pousada, ela contou o que ele tinha feito. Eu disse: "Entendo porque eu passei exatamente por isso" — relata a jovem, que não quer ser identificada.
Após o episódio, segundo as vítimas, familiares das jovens fizeram reunião e cobraram explicações do médium. Depois disso, não foram mais realizados atendimentos no interior do RS.
— O João ficou muito mal, disse que era uma entidade que fazia aquilo. Em nenhum momento se defendeu, dizendo que não era verdade. Ouviu quieto o que outros estavam falando. A gente conseguiu que ele não viesse mais aqui para o Sul — conta.
Aos 46 anos, uma porto-alegrense também diz que participou dos atendimentos entre 2010 e 2012, após sofrer aborto de gêmeos. Depois de frequentar a casa na Serra, foi convidada pelo médium para ir até Goiás. A mulher diz que os abusos teriam acontecido após série de viagens até o município. Em uma das vezes em que conta ter sido abusada, estava grávida de sete semanas, mas sofreu novo aborto na cidade de Abadiânia.
— Ele (João de Deus) me levou para a sala dele e me deitou em um colchão, num corredor. Virou meu corpo para a parede e colocou o pênis para fora e começou a levantar meu vestido. Eu me recusei. Ele dizia: "Você é uma ingrata. Estou te passando energia. Não quer ser mãe? Só vai ter filho se for comigo. Vou te dar gêmeos". Fui para a pousada e nunca mais voltei lá — relata.
Ouça trechos dos relatos reproduzidos no Gaúcha+:
Confira dois relatos na íntegra:
Porto-alegrense, 46 anos
Relata abusos sofridos entre 2010 e 2012
Ele dizia: 'Você é uma ingrata. Estou te passando energia. Não quer ser mãe? Só vai ter filho se for comigo. Vou te dar gêmeos'. Fui para a pousada e nunca mais voltei lá.
"Durante três anos e quatro meses fiz tratamento lá para engravidar. Já tinha perdido gêmeos, porque tenho endometriose. Em Abadiânia, a entidade me disse que eu deveria ser atendida pelo médium João. Fui para atendimento sozinha. Ele me virou de costas e começou a passar a mão em todo meu corpo. Tirei a mão dele. Disse: 'Não estou entendendo, seu João'. Dá um desespero. Tu não acredita que aquilo está acontecendo. Ele dizia: 'Estou te passando energia. Não acredito que está dizendo isso'. Eu disse: 'Para mim, assim não dá. Não vou ser mãe a qualquer preço'. Fui chorando até a pousada onde estava minha mãe. Acabei engolindo aquilo e segui o tratamento. Pensava: 'Será que estou sendo ingrata? Será que ele só está querendo me passar energia?'. Até então não tinha história nenhuma, não sabia de relatos como esse. Ele dizia: 'Tu tem uma mediunidade, essa é tua missão'. E, assim, começa a te envolver. Em uma nova visita, eu estava sozinha, sem minha mãe e meu marido. Tinha conseguido engravidar. Estava com sete semanas.
Ele me levou para a sala dele e me deitou em um colchão, num corredor. Virou meu corpo para a parede e colocou o pênis para fora e começou a levantar meu vestido. Eu me recusei. Ele dizia: 'Você é uma ingrata. Estou te passando energia. Não quer ser mãe? Só vai ter filho se for comigo. Vou te dar gêmeos'. Fui para a pousada e nunca mais voltei lá. Levei três semanas para conseguir contar para o meu marido o que aconteceu. Fica o sentimento de raiva, de tempo perdido, de ter sido enganada.
Tenho por hábito esquecer as coisas ruins e deixar no passado. Achei que tinha superado essa história, mas vejo que não. Não consigo dormir desde sexta à noite com a matéria no Bial. E me incomoda muito. Mas sei que tenho que enfrentar, senão ficará algo mal resolvido. Ainda tenho medo de represálias. Ele é muito poderoso."
Moradora da Região Metropolitana, 29 anos
Relata abusos sofridos em 2012
Quando a gente foi indo de volta para pousada, ela contou o que ele tinha feito. Eu disse: 'Entendo porque passei exatamente por isso'. Ela foi a primeira pessoa com quem falei o que aconteceu.
"Ele (João de Deus) chamou ela (amiga de 17 anos) antes para conversar na sala dele. Exatamente como está sendo relatado, ele seguia esse mesmo padrão. Ela entrou na sala e fiquei aguardando do lado de fora. Quando ela saiu chorando, perguntei o que foi, ela disse: 'Eu não posso falar aqui'.
Eu olhei e disse: 'Não precisa me falar, eu já sei o que aconteceu'. Quando a gente foi indo de volta para pousada, ela contou o que ele tinha feito. Eu disse: 'Entendo porque passei exatamente por isso'. Ela foi a primeira pessoa com quem falei o que aconteceu.
Para nós foi muito difícil na época, porque estávamos muito envolvidas nesse voluntariado. Nos sentíamos muito bem ajudando os outros, fizemos muitos amigos e também tínhamos ele como praticamente da família."
Investigação
O Ministério Público de Goiás informou que já apurava denúncias de abusos sexuais envolvendo o médium. Uma força tarefa está sendo criada para ouvir os depoimentos das mulheres. A Polícia Civil também tem inquérito aberto há cerca de três meses para investigar os casos.
Segundo o advogado Alberto Toron, o médium nega as acusações e está à disposição para esclarecimentos. Ele declarou que os atendimentos são realizados, em geral, em grupos e não individualmente. A assessoria do médium informou que ele atende há 44 anos milhares de pessoas e que rechaça qualquer prática imprópria nos atendimentos.