A partir desta segunda-feira (10), todas as 22 delegacias especializadas no Atendimento à Mulher (Deams) no Estado contarão com um instrumento que promete acelerar e padronizar o atendimento à mulher em situação de violência doméstica. O questionário, já aplicado na Deam de Porto Alegre desde dezembro de 2018, é resultado de um termo de cooperação firmado entre Polícia Civil e todo sistema de justiça.
São perguntas objetivas que buscam conhecer mais sobre o histórico de violência contra a mulher. Validadas pelo Conselho Nacional de Justiça, as perguntas foram formuladas por uma equipe multidisciplinar com o cuidado de não revitimizar a mulher que busca ajuda, de acordo com a delegada titular da Deam de Porto Alegre, Tatiana Bastos.
Ao lado da advogada Vanessa Ramos da Silva, colaboradora da Themis, uma organização que há 25 anos atua na defesa e promoção dos direitos das mulheres, Tatiana participou do Programa Donna desta sexta-feira (7), transmitido do Donna Beauty Pompéia, em Porto Alegre. No bate-papo, as especialistas falaram sobre o ciclo da violência contra a mulher, a cultura do machismo e a importância de denunciar episódios de agressão, seja verbal ou física.
Na ocasião, a delegada informou ainda que, até o segundo semestre, as Delegacias de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA) também passarão a aplicar o mesmo questionário. Segundo Tatiana, a maioria das mulheres acabam denunciando as agressões que sofrem em outras delegacias que não a especializada no atendimento a mulher, por isso a importância de padronizar o atendimento e preparar as equipes para acolher as vítimas.
Um dos desafios na prevenção à violência de gênero é a subnotificação. Estima-se que apenas 10% dos casos são denunciados. O fato de a maioria dos estupradores (68%) serem pessoas conhecidas da vítima é uma das razões que dificulta a acusação, explica Tatiana.
Vanessa também atribui a subnotificação ao machismo estrutural que faz a sociedade questionar a mulher que denuncia casos de violência de gênero ao ponto de ela própria ter dificuldade em perceber que foi vítima de um abuso ou agressão.
- Há um processo de negação, de se sentir culpada, suja. Ela mesma questiona o quanto pode ter contribuído para que aquilo acontecesse - disse Vanessa.
Para Vanessa, é preciso ainda desconstruir a imagem, muito arraigada na sociedade, de que o agressor é um “monstro”. Isso atrapalha a tomada de consciência da própria mulher que está sendo vítima de violência de gênero.
Tatiana concorda e afirma que os agressores não podem ser tratados como doentes. Nas suas palavras, eles são “filhos do patriarcado”:
- Quando pesquisamos agressores de crimes sexuais, vemos que menos de 5% têm patologia. A maioria são homens abusadores, extremamente machistas.
Tatiana é responsável pela investigação do estupro de uma mulher que estava desacordada dentro de um carro atravessado na Avenida Baltazar de Oliveira Garcia, na zona norte de Porto Alegre. O crime foi gravado em um vídeo pelo suspeito, que divulgou as imagens em grupos de redes sociais. O caso aconteceu na noite do dia 26 de maio, próximo ao cruzamento com a Avenida Manoel Elias.
Tatiana diz que, além da gravidade do crime, chama a sua atenção os comentários preconceituosos sobre o caso.
- São comentários de homens e mulheres, porque o machismo é um sistema de dominação que não acomete só homens, também mulheres. Assim como no caso Neymar, todos os holofotes recaem sobre o comportamento da mulher e acabam transferindo a responsabilidade para a vítima - afirmou, com a ressalva de que o episódio envolvendo o jogador ainda está sob investigação.