Após duas horas e meia de cirurgia para recuperar os danos causados no braço esquerdo, Matheus Kowalski, 37 anos, soube nesta terça-feira (27) que a recuperação será longa. Fisioterapeuta, ele havia estimado dois meses para voltar à rotina. Mas o atropelamento do qual foi vítima no último domingo (25), na orla do Guaíba, provocou lesões bem mais graves. Por isso, a equipe médica acredita que a reabilitação leve cerca de seis meses. O motorista fugiu depois de atingir o ciclista, e o caso é investigado pela Polícia Civil.
Ao amanhecer de domingo, o fisioterapeuta da Confederação Brasileira de Atletismo saiu para pedalar com outros ciclistas em direção à Zona Sul. O grupo opta por este período para os treinos em razão do pouco movimento no trânsito. Com o fim do circuito, cada um tomou o rumo de volta, desfazendo o grupo.
Às 7h45min, o ciclista retornava sozinho, pela Avenida Edvaldo Pereira Paiva, a Beira-Rio. Vestido com roupa verde limão e capacete laranja, pedalava em uma bicicleta azul, com as luzes de sinalização traseira e dianteira.
— Não tinha como alguém não me enxergar — diz.
O trânsito, em razão do horário, estava tranquilo, com poucos veículos circulando. A maior parte do movimento era dos atletas que buscam a Orla para treinar. Logo após cruzar um semáforo, próximo ao Beira-Rio, em direção ao Centro, Kowalski ouviu uma freada de carro.
Sem tempo de reagir, foi atingido pelo veículo que vinha atrás dele. Atropelado pelo carro – identificado como um Fox vermelho – tentou se equilibrar, mas caiu ao chão. Na queda, viu o veículo seguindo em fuga e ultrapassando outro carro.
— Outro ciclista, que estava atrás de mim, conseguiu desviar. Ele passou por ele, muito rápido. Freou, cantando pneu, atrás de mim. Jogando o carro para cima. Só ouvi o barulho dos freios. E depois o estouro. Não sei se foi proposital, se estava bêbado, ou não me viu e bateu. A indignação é por que não parar? Presta assistência e depois segue a vida. Agora é todo um transtorno, é hospital, é dor. Serão vários meses sem poder trabalhar. Não tem como — afirma.
Após a cirurgia realizada nesta madrugada, Kowalski conta que ainda sente desconforto no local da lesão. Internado no Hospital Mãe de Deus, só deve receber alta no final da semana – entre quinta e sexta-feira. Além da fratura no braço, o ciclista também teve hematomas no quadril, nas costas e no joelho direito. De capacete, não teve lesões na cabeça.
— A cirurgia foi bem complexa, com três médicos. Fraturou em várias partes, a cabeça do úmero, que é uma região delicada do braço. Foi preciso fazer fixações mais complexas, juntar as partes. Como fisioterapeuta, eu tinha me olhado e pensado: “Em dois meses vou estar bem”. Mas os médicos já me avisaram que vai levar quase o triplo. Pode ser que fique com algum tipo de sequela na amplitude do movimento do braço — descreve.
O fisioterapeuta já costumava praticar atividades físicas, como corridas, e há cerca de seis meses passou a pedalar frequentemente, com objetivo de se preparar para o triatlo. O próximo passo seria a natação. Os planos agora terão que esperar. Mas ele garante que, assim que possível, pretende voltar a pedalar. O ciclista diz que sua maior preocupação é o que poderia ter acontecido se outra pessoa tivesse sido atingida.
— Eu quebrei um braço, mas e se pega uma senhora, uma criança ou uma família? É o mais revoltante. Sou jovem, tenho certa resistência. Se é uma pessoa mais frágil, mata. A pancada foi muito forte. O estouro foi muito alto — diz.
Caso do Voyage
Outro caso, no qual o condutor de um Voyage branco é suspeito de perseguir ciclistas na Orla vem sendo investigado em Porto Alegre. Pelo menos 11 fatos são apurados. O condutor teve a carteira de habilitação apreendida, assim como o veículo no fim de setembro. Em depoimento, o motorista negou perseguir os ciclistas e disse não se lembrar da maior parte dos casos descritos pelas vítimas.
O atropelamento de Kowalski fez os ciclistas compararem os casos, por conta do local, do modo como o condutor agiu (cantando pneu e se aproximando em alta velocidade) e do horário. A maioria dos episódios envolvendo o Voyage aconteceu na Avenida Beira-Rio, ao amanhecer. No entanto, a Polícia Civil afirma que não há nenhum elemento no momento que permite vincular os casos.
— Não há nada de concreto nesse sentido. Não sabemos quem é o autor. Se não sabemos, não posso dizer que é ou que não é. Quando chegar à autoria, é que vai se dizer. Estamos tratando como lesão corporal de trânsito, seguida de fuga do local, de ausência de prestação de socorro — diz o delegado Carlo Butarelli, da Divisão de Delitos de Trânsito do Departamento de Homicídios.
Segundo policial, foram solicitadas imagens de câmeras do trajeto. A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) informou que está prestando apoio à Polícia Civil com o rastreamento das câmeras de monitoramento do cercamento eletrônico da Capital.
As imagens são consideradas essenciais pela polícia para chegar à identificação do veículo e de quem estava conduzindo o carro. Essa pessoa será intimada para prestar depoimento. Conforme o delegado, o ciclista prestará depoimento após deixar o hospital. A polícia também deve ouvir outras pessoas que testemunharam o atropelamento.