Um dossiê elaborado por um por grupo de jovens de Santa Maria contando situações constrangedoras vividas em sala de aula entre 2011 e 2019 foi o ponto de partida para a Polícia Civil investigar o comportamento de um professor.
Quatro ex-alunas de Vinicius Pompeo, 37 anos, ouvidas por GaúchaZH relatam que, na escola, o professor de História acariciava suas partes íntimas, agarrava-as pela cintura, dava beijos no pescoço e fazia com que alunas sentassem em seu colo durante as aulas. Uma delas, que conviveu com Pompeo dos 12 aos 16 anos, diz que ainda tem dificuldade em elaborar o que aconteceu:
— Era puxada para sentar no colo dele. Me sentia culpada e maldosa. Não deveria depender da gente, com 16 anos ou menos, conseguir reconhecer e identificar tudo isso.
O comportamento do professor veio à tona após uma série de relatos nas redes sociais. Desde o final de junho, a conduta do educador é investigada pela Delegacia de Polícia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPPCA) de Santa Maria.
Além de relatos, as ex-alunas indicaram o nome de 26 meninas — algumas delas optaram por não dar depoimento à polícia. Após ouvir mais de 50 pessoas, a delegada Roberta Trevisan identificou 21 vítimas. Todas as jovens eram adolescentes na época dos episódios — uma delas ainda não completou 18 anos.
Pompeo foi indiciado por estupro de vulnerável e importunação sexual, e o inquérito foi remetido ao Judiciário. A investigação ainda não chegou ao Ministério Público.
As situações investigadas teriam acontecido em duas escolas particulares de Santa Maria — Colégio Marco Polo e Colégio Franciscano Sant'Anna — e em dois cursos pré-vestibulares — ambos fechados atualmente. As quatro ex-alunas ouvidas pela reportagem — duas de 23 anos, uma de 20 anos e uma também adulta que prefere não revelar a idade — terão sua identidade preservada.
Beijava meu pescoço e falava que, além de tudo, eu era cheirosa. Tinha abraços longos. Ficava conversando e a mão escorregava para os peitos, bunda, coxa. Ficava apalpando enquanto abraçava. Mexendo, a mão subia e descia. Isso na frente de colegas, em rodas de conversa.
VÍTIMA
Ex-aluna
— Passava a mão na coxa e na bunda. Na época, me sentia muito coagida a fazer as coisas que ele fazia com a gente para ter aquela aceitação que precisávamos ter com ele. Se não fôssemos carinhosas, ele ia pegar no nosso pé. Era uma relação de hierarquia. Hoje penso: como que pode um professor fazer esse tipo de coisa com alunas de 12 e 13 anos? É um absurdo. Professor é para ser uma pessoa de confiança. Ele usava o poder sobre as alunas para benefício dele — afirma outra jovem, de 23 anos, ex-aluna do Colégio Sant'Anna.
"Ficava conversando e a mão escorregava"
As quatro ex-estudantes afirmam que Pompeo era um professor carismático, popular e próximo da turma. Uma delas, que foi aluna de Pompeo no 7º e 8º anos no Ensino Fundamental e no terceiro ano do Ensino Médio, relata que o educador usava a simpatia para se aproximar das garotas:
— No corredores, ele chegava por trás, abraçava pelas costas, na altura dos ombros, fazia massagem. Beijava meu pescoço e falava que, além de tudo, eu era cheirosa. Tinha abraços longos. Ficava conversando e a mão escorregava para os peitos, bunda, coxa. Ficava apalpando enquanto abraçava. Mexendo, a mão subia e descia. Isso na frente de colegas, em rodas de conversa. Eu me incomodava com esses toques.
Passava a mão na coxa e na bunda. Na época, me sentia muito coagida a fazer as coisas que ele fazia com a gente para ter aquela aceitação que precisávamos ter com ele. Se não fôssemos carinhosas, ele ia pegar no nosso pé. Era uma relação de hierarquia. Hoje penso: como que pode um professor fazer esse tipo de coisa com alunas de 12 e 13 anos?
VÍTIMA
Ex-aluna
No terceiro ano do Ensino Médio um episódio a constrangeu durante uma prova. Segundo ela, as classes dos estudantes ficavam no fundo da sala e o aluno sentava frente a frente ao professor. Cada estudante, chamado individualmente, devia responder a três perguntas:
— Na terceira, enquanto eu ia respondendo ele disse que eu estava distraída. Aí colocou a mão na minha perna e ficou passando a mão na minha coxa, enquanto eu estava respondendo. Pressionou e disse para prestar atenção nele. Aquilo me dispersou. Aí se inclinou para perto de mim e ficou com a mão em cima da minha perna.
"Todas as meninas relataram situação semelhantes", diz delegada
Aluna de Pompeo em 2010, 2011 e 2014, uma jovem de 23 anos afirma que na época em que tinha 12 e 13 anos, quando cursava o 7º e 8º ano, era comum ser colocada para sentar no colo do professor:
— Durante as aulas, para tirar uma dúvida e ir falar com ele, não bastava tu estar ali perto e conversar. Ele te pegava pelo braço e te colocava sentada no colo dele. Muitas vezes ficava me puxando para o colo, fazendo carinho na minha perna. E pegava a minha mão para fazer carinho nele. Via o mesmo com as minhas colegas. Eram sempre situações em que alunas, e eu também, faziam algo para a satisfação dele.
Não bastava tu estar ali perto e conversar. Ele te pegava pelo braço e te colocava sentada no colo dele. Muitas vezes ficava me puxando para o colo, fazendo carinho na minha perna. E pegava a minha mão para fazer carinho nele. Via o mesmo com as minhas colegas. Eram sempre situações em que alunas, e eu também, faziam algo para a satisfação dele.
VÍTIMA
Ex-aluna
Com aquela idade, conta a jovem, ela não enxergava formas de se afastar e evitar novas investidas do professor e não conseguia ter noção se aquelas atitudes também representavam incômodo para outras garotas:
— Ele se aproveitava por estar dentro do colégio. Chegava de manhã, te agarrava pela cintura e ficava abraçando. Aquele abraço que tu fica esperando quando vai terminar. Porque tu não sabe o que fazer para sair dos braços dele. E, às vezes, no momento do abraço ficava beijando nosso pescoço e fazendo um cheiro. Isso na frente dos colegas. Me sentia constrangida e envergonhada, sem poder sair daquilo. Ele nos dava a entender que seria um professor legal se continuássemos sendo legais com ele.
À frente da investigação, a delegada Roberta assegura que os depoimentos das ex-estudantes narram situações comuns a todas:
Elas lembram de detalhes, como roupas que estavam usando. Isso significa que aquilo marcou muito. Alguns diziam que na época achavam que era normal, mas hoje veem que não. Agora se deram conta de que era um absurdo. Percebemos os diferentes efeitos que isso causou em cada uma delas.
ROBERTA TREVISAN
Delegada de Santa Maria
— Isso é a base do que a gente ouviu. Todas as meninas relataram situação semelhantes a essas. Dentro do inquérito, cada situação concreta foi analisada para ver se era crime ou contravenção. Houve situações que foram consideradas crime. Elas lembram de detalhes, como roupas que estavam usando. Isso significa que aquilo marcou muito. Algumas diziam que na época achavam que era normal, mas hoje veem que não. Agora se deram conta de que era um absurdo. Percebemos os diferentes efeitos que isso causou em cada uma delas.
De acordo com a polícia, as direções das instituições foram ouvidas. Nenhuma delas disse já ter registrado alguma reclamação da conduta do professor. Neste ano, Pompeo atuava no Colégio Marco Polo, mas foi afastado em 23 de junho.
— Todos se disseram surpresos com a repercussão das postagens nas redes sociais. Foram situações que geraram nas meninas uma sensação desagradável, um trauma. São fatos graves — diz a delegada.
"Ele me deu um tapa na bunda"
Aos 14 anos, uma jovem, que hoje tem 20, conta que no término de uma aula de Pompeo, quando a sala já estava vazia, foi tirar uma dúvida com o professor antes de se despedir. Era final de uma manhã de 2014, no Colégio Sant'Anna:
Esbarrava as mãos no meus peitos e apertava minha coxa. Sabia que era errado, mas não conseguia fazer nada contra isso. O fato de ele ser o professor mais querido nos impedia de levar adiante. Peguei repulsa.
VÍTIMA
Ex-aluna
— Perguntei, tirei a minha dúvida. Duas colegas saíram na minha frente e fui a última. Quando me virei, ele me deu um tapa na bunda. As meninas não viram nada porque saíram na minha frente. Foi situação que mais me chocou e me frustrou, foi a mais absurda. Me marcou tanto que eu lembro até da roupa que estava vestindo. Ali me dei conta de que todo esse carinho não era normal. Se isso não vier à tona, vai continuar acontecendo.
A quarta jovem, de 23 anos, não chegou a ter aulas com o professor, mas encontrava Pompeo nos corredores do Colégio Sant'Anna e de um cursinho pré-vestibular de Santa Maria. Mesmo sem o contato em sala, atitudes do professor faziam a menina se sentir culpada:
— Abraçava. Esbarrava as mãos no meus peitos e apertava minha coxa. Sabia que era errado, mas não conseguia fazer nada contra isso. O fato de ele ser o professor mais querido nos impedia de levar adiante. Peguei repulsa.
Foi uma série de meninas que, em anos diferentes, em escolas diferentes, passaram por essa situação. Ele agia da mesma maneira com todas. Algumas de forma mais velada e outras de forma bem explícita. Agora, quando uma menina fala, as outras tomam coragem.
MAGALI FLORES RODRIGUES
Advogada das vítimas
Fora do ambiente escolar, a jovem afirma que, em 2015, durante um jantar na casa de um amigo, Pompeo tentou beijá-la enquanto a então adolescente, com 17 anos, lavava a louça:
— Ele me prensou contra o balcão. Veio em direção a minha nuca para me beijar. E disse: "Sei que tu gosta e eu sei que tu quer. Tu sempre foi mais difícil que as outras e isso me atrai muito". Falei para ele parar. Larguei a louça e fui para outro balcão. Fiquei em choque. E ele me prensou de novo. Pediu desculpas e dizia para eu não ficar nervosa. Enquanto tentava me beijar.
A advogada Magali Flores Rodrigues, que representa três das 21 vítimas do inquérito, afirma que a relação entre professor e alunas desestimulava as garotas a denunciarem o comportamento de Pompeo:
— O modo de agir do professor era quase sempre o mesmo. O mesmo tipo de abordagem, de situação e constrangimento que causava nas meninas. Foi uma série de meninas que, em anos diferentes, em escolas diferentes, passaram por essa situação. Ele agia da mesma maneira com todas. Algumas de forma mais velada e outras de forma bem explícita. Agora, quando uma menina fala, as outras tomam coragem.
Contrapontos
Vinicius Pompeo
Em depoimento à polícia, Pompeo negou os relatos e disse que os fatos não ocorreram da forma como foram narrados pelas ex-alunas. Responsável pela defesa do indiciado, o advogado Jader Marques disse que "foram anexadas ao inquérito inúmeras provas que demonstram a inocorrência dos fatos. Outras provas já foram obtidas e serão trazidas ao processo para demonstrar, definitivamente, a inocência do seu cliente".
Colégio Sant'Anna
Preferiu não se manifestar.
Colégio Marco Polo
O Colégio Marco Polo, instituição de ensino voltada à inclusão e reconhecida pela seriedade e honestidade na comunidade de Santa Maria, recebeu com surpresa, pelas redes sociais, os relatos acerca de abusos sexuais cometidos por um professor da instituição. O assunto deixou a direção, professores e colaboradores e toda comunidade escolar em choque, pois, até então, não tinha recebido registros de reclamações de alunas e/ou alunos em relação às condutas do professor que trabalha na instituição desde fevereiro de 2014, no ensino fundamental e a partir de fevereiro de 2020 no ensino médio, e que está afastado de suas funções desde 23/06/2020. Ainda, quando da contratação do referido professor, o Colégio Marco Polo não teve conhecimento de nenhuma referência negativa quanto às condutas do mesmo nas instituições em que trabalhou anteriormente. Mais, de acordo com as informações e relatos obtidos até o momento, os fatos seriam anteriores à atuação no Colégio Marco Polo. Conforme já informado pela Polícia Civil, os fatos somente poderão ser esclarecidos após as pertinentes investigações, sendo que o colégio, inclusive, já entrou em contato com a delegacia colocando-se à disposição para o que for necessário. O Colégio Marco Polo reitera sua solidariedade às vítimas, coloca-se à disposição das investigações, e, novamente, incentiva a denúncia de quaisquer atos que possam ter ocorrido nas suas dependências.