Situações vividas em sala de aula como às que levaram ao indiciamento do professor de Santa Maria Vinicius Pompeo, 37 anos, por estupro de vulnerável e importunação sexual, podem ser identificadas por pais e professores. O caso veio à tona em reportagem de GaúchaZH nesta terça-feira (11). Observar o comportamento dos filhos, com diálogo aberto e liberdade para tratar de qualquer assunto, pode auxiliar familiares a reconhecerem circunstâncias de abuso.
A titular da Delegacia de Polícia para Criança e Adolescente Vítima de Delitos de Porto Alegre, delegada Sabrina Doris Teixeira, explica que é preciso criar um ambiente familiar em que as crianças se sintam à vontade para abordar todo tipo de tema – inclusive eventual episódio que possa tê-la incomodado na escola.
— Os pais precisam estar em alerta se alguém está dando atenção incomum para os seus filhos, mandando um material só para eles, pedindo WhatsApp. Algo que for estranho. É preciso ter o máximo de informações sobre quem toma conta dos filhos. Quem são, qual o histórico do profissional, quanto tempo de docência, quanto tempo nessa escola, se trabalhou em outros locais. São informações que as escolas têm.
Os sinais que a criança e o adolescente podem ou não apresentar são diversos e relativos, aponta a delegada. Abusos físicos, psicológicos ou sexuais podem ser refletidos em mudança de humor, rebeldia, alteração de hábito alimentar e baixo rendimento escolar. Há casos em que o abusador é uma pessoa na qual a criança confia e possui relação de afeto, o que pode dificultar ainda mais que tenha noção do que está sofrendo:
— As vezes demora a cair a ficha, pode ser entendido errado. A vítima se culpa. O abusador é progressivo, começa de forma que nem sempre a criança percebe e depois vai avançando.
Na dúvida, registre o fato que ele será apurado. Registrar não significa que alguém será acusado injustamente. Nosso papel é apurar os fatos e, havendo crime, tomar as providenciais em relação a isso. Nem sempre os fatos são criminosos mas fica a questão esclarecida. Melhor do que querer abafar o caso. Para a comunidade escolar é importante dar estas respostas.
SABRINA DORIS TEIXEIRA
Titular da Delegacia de Polícia para Criança e Adolescente Vítima de Delitos de Porto Alegre
Em ambiente escolar, Sabrina ressalta a importância da instituição criar a cultura de participação dos estudantes e dar voz a eles. Ao deparar com estes episódios a direção deve dar valor a palavra da vítima. A delegada ressalta também que as escolas precisam estar atentas para não revitimizar o aluno, o estimulando a contar várias vezes a mesma história:
— Na ânsia de querer ajudar, pedem para contar várias vezes, isso traz sofrimento e pode comprometer a apuração dos fatos. Cada vez que conta um detalhe pode passar. Nosso objetivo é minimizar a revitimização e o sofrimento, alcançando a fidedignidade do depoimento. Temos a expertise de lidar com esses assuntos.
Redes sociais
Denúncias deste tipo chegam ao conhecimento da polícia por familiares, via Conselho Tutelar ou mesmo por relatos de redes sociais:
— A publicação de casos em redes sociais é um caminho bom, mas o ideal é nos procurar primeiro porque os investigados também olham redes. E, com isso, pode se perder algo em relação à prova, como exclusão de publicações. Uma investigação que começa silenciosa pode ser mais exitosa. As famílias devem se atentar que essa é uma geração virtual, que pode não tratar com a família e relatar em uma mídia social. O importante é que o relato venha e que a polícia tome conhecimento do fato.
Após o registro de ocorrência, Sabrina explica que a polícia passa a apurar o fato. Entre as primeiras providências estão o encaminhamento da vítima para perícias técnicas. Em Porto Alegre, este trabalho é feito no Centro de Referência no Atendimento Infanto-Juvenil (Crai), no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas.
O depoimento de crianças e adolescentes é feito com técnicas específicas, fora do ambiente formal e sem interrupção. A vítima só fala uma vez, de forma que o relato já vale como prova no processo judicial. A delegada ressalta que em crimes sexuais, a palavra da vítima tem muita muito importância:
— Na dúvida, registre o fato que ele será apurado. Registrar não significa que alguém será acusado injustamente. Mas se causou constrangimento, deve registrar. Nosso papel é apurar os fatos e, havendo crime, tomar as providenciais em relação a isso. Nem sempre os fatos são criminosos mas fica a questão esclarecida. Melhor do que querer abafar o caso. Para a comunidade escolar é importante dar estas respostas — reforça a delegada.
À frente da investigação da conduta do professor Vinicius Pompeo, a delegada de Santa Maria Roberta Trevisan explica que as escolas podem responder pelo crime de omissão caso fique comprovado que tinham conhecimento do fatos e não tomaram nenhuma atitude.
— Se tiver conhecimento de alguma situação dessa envolvendo criança ou adolescente, o caminho é ir direto na delegacia — frisa.
Durante a investigação, Roberta ouviu mais de 50 pessoas, inclusive as equipes das quatro instituições de ensino citadas no inquérito. Todas afirmaram que não tinham conhecimento da conduta de Pompeo.
Procurada por GaúchaZH, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) preferiu não se manifestar sobre o tema. O Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS) afirmou que "o assunto é muito delicado, e deve ser abordado de forma especializada, por isso entendemos que essas orientações devem ser dadas por um profissional da área".
Como agir
Pais
- Cultive um ambiente de diálogo aberto, em que qualquer assunto pode ser tratado
- Procure a polícia se tiver conhecimento de qualquer situação de abuso
- Fique atento a reações incomuns da criança
- Não tenha confiança cega em ninguém
- Busque saber quem são os professores de cada disciplina
Escola
- Mantenha relação estreita com órgãos policiais e peça orientação sempre que necessário
- Na dúvida, registre ocorrência em uma delegacia
- Crie uma cultura de participação dos alunos, em que eles tenham voz
- Escola deve valor a palavra da vítima e ter interesse em apurar os fatos
Fonte: titular da Delegacia de Polícia para Criança e Adolescente Vítima de Delitos de Porto Alegre Sabrina Doris Teixeira
Onde buscar ajuda
Na Capital
- Delegacia de Polícia para Criança e o Adolescente Vítimas de Delitos de Porto Alegre
Endereço: Av. Augusto de Carvalho, nº 2.000, bairro Praia de Belas
Funcionamento horário comercial.
-Divisão da Criança e do Adolescente da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento
Endereço: Av. Augusto de Carvalho, nº 2.000, bairro Praia de Belas
Funcionamento 24 horas
Telefone (51) 21315700 ou 0800-642-6400 (para denúncias).
No Interior
- Em qualquer Delegacia de Polícia.
Contraponto
Em depoimento à polícia, Pompeo negou os relatos e disse que os fatos não ocorreram da forma como foram narrados pelas ex-alunas. Responsável pela defesa do indiciado, o advogado Jader Marques disse que "foram anexadas ao inquérito inúmeras provas que demonstram a inocorrência dos fatos. Outras provas já foram obtidas e serão trazidas ao processo para demonstrar, definitivamente, a inocência do seu cliente".