Acompanhada de uma assistente social e de um familiar, a menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada em São Mateus (ES) viajou, neste domingo (16), a outro Estado para ser submetida a interrupção da gestação. No sábado (15), por determinação da Justiça, a menina chegou a ser internada em Vitória, capital capixaba, para realizar o procedimento. A equipe médica do Programa de Atendimento as Vítimas de Violência Sexual (Pavivi), porém, se recusou a realizar o procedimento.
Em documento obtido pelo G1, os médicos justificaram a negação alegando que “a idade gestacional não está amparada pela legislação vigente” que permite o aborto no país. Ainda conforme o documento, a menina está com 22 semanas e quatro dias de gestação.
Um tio da vítima é o suspeito do crime e é considerado foragido. O caso veio à público depois de a menina se sentir mal e dar entrada no Hospital Roberto Silvares, em São Mateus, onde a gravidez foi detectada. À tia e aos médicos, a criança contou que o tio a estuprava desde os seis anos e ainda a ameaçava para que não relatasse os abusos à família. O homem foi indiciado pela Polícia Civil pelos crimes de ameaça e estupro de vulnerável.
A ordem para interromper a gravidez partiu do juiz Antônio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude, atendendo a um pedido do Ministério Publico do Espírito Santo (MPES). Na decisão, Fernandez aborda a idade gestacional e se baseia na Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, editada em 2005 pelo Ministério da Saúde, para autorizar a interrupção da gestação.
De acordo com juiz, a norma “assegura que até mesmo gestações mais avançadas podem ser interrompidas, do ponto de vista jurídico, aduzindo o texto que é legítimo e legal o aborto acima de 20-22 semanas nos casos de gravidez decorrente de estupro, risco de vida à mulher e anencefalia fetal”. Ele ainda determinou que "seja realizada a imediata análise médica quanto ao procedimento de melhor viabilidade para a preservação da vida da criança, seja pelo aborto ou interrupção da gestação por meio do parto imediato".
Um dos profissionais que atendeu a criança relatou, na decisão judicial, que “ela apertava contra o peito um urso de pelúcia e só de tocar no assunto da gestação entrava em profundo sofrimento, gritava, chorava e negava a todo instante, apenas reafirmando não querer".
O juiz ainda destacou, na decisão judicial, o desejo da criança de não manter a gestação. Concluiu que "a vontade da criança é soberana, ainda que se trate de incapaz".
Especialistas em direito penal consultados pelo G1 afirmaram que o tempo de gestação não faz diferença do ponto de vista jurídico e defenderam o aborto como um direito da vítima, inclusive para que ela possa se recuperar dos danos psicológicos causados pelo estupro.
A advogada Sandra Lia Bazzo Barwinksi, do Comite da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem Brasil) afirma que, no Brasil, não é determinado nenhum tipo de limite na legislação para o aborto, com consentimento da gestante e praticado por médico, quando houver risco de vida à gestante ou for decorrente de estupro.
Neste domingo, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, instaurou um pedido de providências para que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) preste informações sobre as providências em relação ao caso adotadas pelo Judiciário local. O ministro corregedor também determinou que a Corregedoria-Geral da Justiça do Espírito Santo acompanhe e apure os fatos e remeta o resultado da apuração ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).