A Polícia Civil decidiu solicitar ao Instituto-Geral de Perícias (IGP) a reconstituição da ocorrência que resultou na morte do engenheiro Gustavo dos Santos Amaral, 28 anos. Em 19 de abril, na RS-324, em Marau, no norte gaúcho, o jovem morreu ao ser atingido por pelo menos um disparo durante uma barreira feita pela Brigada Militar (BM) em busca de ladrões de carro.
Um colega de Gustavo contou a GaúchaZH que viu um soldado atirar contra o rapaz. O agente ainda teria sido advertido pela testemunha de que o engenheiro era um trabalhador e não um dos criminosos. Oficialmente, a Brigada Militar declara desde o dia do fato que não sabe de onde partiu o tiro: se da arma de um de seus policiais ou de um dos assaltantes que eram procurados.
— Preciso saber o posicionamento, onde estava cada pessoa. Isso acho um dos pontos principais. Também quero saber o que cada um fez, a distância entre os personagens, desde o primeiro embate da Brigada com o veículo roubado e o choque desse carro com o outro (de Gustavo) — explica o delegado Norberto dos Santos Rodrigues.
Formalmente chamada de reprodução simulada dos fatos, a reconstituição ainda não tem data para ocorrer. Segundo o IGP, a prioridade do órgão é fazer reproduções em casos onde o investigado ou réu já está preso, enquanto demais pedidos entram em uma fila. Além desta análise, também cabe ao instituto o laudo pericial que indicará a direção do tiro, o calibre e a arma utilizada.
Apesar do pedido de reconstituição, para a Polícia Civil o tiro que atingiu Gustavo partiu da arma de um policial. Segundo o delegado, o próprio agente admitiu isso aos investigadores de forma "bastante clara" desde o dia dos fatos. A Brigada Militar, no entanto, jamais confirmou que o tiro partiu de um dos seus policiais.
Até o momento, só uma testemunha foi ouvida pela Polícia Civil. Na próxima semana, os colegas de Gustavo, que estavam com ele no carro, devem ser chamados a prestar depoimento. Depois, será a vez de os policiais militares que trabalharam na ocorrência contarem suas versões.
O delegado ainda disse que só irá confirmar se haverá indiciamento dos agentes envolvidos ao final da investigação.
Um dos advogado dos PMs, José Paulo Schneider afirma que os clientes irão participar de todas as oitivas realizadas pelas autoridades e considera que a reconstituição "vai ajudar a esclarecer o que ocorreu naquele dia". Confira nota da defesa na íntegra abaixo.
A defesa comentou que o ocorrido foi "um trágico episódio", mas lamenta algumas acusações feitas contra seus clientes em redes sociais, sobre eventual erro:
"Alerta-se, por fim, que a infelicidade do episódio não pode afastar a veracidade das falas e nem da cronologia dos fatos, não somente por atrapalhar a condução das investigações, mas por se tratar de crime de falso testemunho e atentar contra a dignidade de honrados agentes públicos, que fazem dos seus dias as noites e das noites os dias na realização da segurança pública de todos os gaúchos e gaúchas".
Além da apuração feita pela Polícia Civil, corre em paralelo um inquérito policial militar feito pela BM. Inicialmente coordenada pelo batalhão onde os agentes estão lotados, a apuração foi retirada da região e passou a ser de responsabilidade da Corregedoria-Geral, em Porto Alegre. O movimento foi feito pelo comandante-geral, coronel Rodrigo Mohr, com o objetivo de que haja apuração "da forma mais isenta possível".
Inquérito foi dividido
O inquérito da Polícia Civil foi separado entre a apuração do roubo e do homicídio do engenheiro. A primeira parte foi entregue nesta terça-feira (28) à Justiça. Os dois suspeitos de terem levado uma caminhonete Amarok de uma família foram indiciados por roubo e tentativa de homicídio contra um policial. Eles seguem presos.
Segundo a Brigada Militar, a caminhonete foi roubada no sábado, 18 de abril, no município de Casca, também no Norte. Na manhã do dia seguinte, domingo, um policial de folga viu o veículo na rodovia e avisou seus colegas. Uma barreira foi montada na estrada.
O engenheiro estava em sua Doblô com três funcionários quando deparou com a blitz policial na RS-324. Ele teria parado o carro e ficado dentro do veículo com os companheiros, mas logo em seguida o carro foi atingido pela Amarok com pneus furados. A caminhonete era a roubada e estava sendo procurada pelos policiais. Instantes depois, houve troca de tiros e Gustavo e os funcionários desceram para se proteger. Foi nesse momento em que o rapaz foi atingido.
Gustavo foi sepultado em 20 de abril, em Santa Maria, onde nasceu e estudou na universidade federal. Ele deixou cinco irmãos, pai e mãe.
Confira o que diz a defesa dos PMs:
"A defesa técnica dos Policiais Militares que no dia 19/04, às margens da ERS 324, KM 91, Bairro Industrial, na cidade de Marau/RS, participaram da ação de captura de dois indivíduos que fugiam, armados, em uma caminhonete VW Amarok roubada no interior do Município de Casca/RS, vem a público prestar os seguintes esclarecimentos.
Destaca-se, em primeiro lugar, a imensurável tristeza e a dor que os fatos geraram a todas as famílias das pessoas envolvidas, em especial, aos parentes do engenheiro Gustavo dos Santos Amaral, a quem manifestamos nosso profundo pesar pela perda do ente estimado.
Para além das palavras, assumimos o compromisso de evidenciarmos nosso respeito por meio de atitudes que contribuam para que as investigações sejam as mais amplas e céleres possíveis e ocorram num ambiente de tranquilidade, imparcialidade e de extrema legalidade. Fica consignado, assim, que da defesa pautará suas ações na ética e respeito à memória da vítima, bem como para que fique comprovada a real dinâmica dos acontecimentos que contribuíram para essa fatalidade.
Esclarece-se, ainda, que, no momento dos fatos, além de prestar o devido atendimento pré-hospitalar, os policiais foram os responsáveis pela chamada do socorro médico para a vítima. Logo após a ocorrência, mesmo sem a presença de um advogado, os policiais prestaram esclarecimentos à Policia Civil e à autoridade responsável pelo Inquérito Policial Militar instaurado, de pronto, para avaliar a conduta dos militares durante o atendimento da ocorrência, que tragicamente resultou na morte de um jovem trabalhador que, posteriormente, se verificou não ter relação alguma com o assalto ocorrido no Município de Casca/RS.
Nesse sentido, informa-se que esta defesa, juntamente com os Policiais Militares envolvidos, com intuito de colaborar com as investigações, esteve presente na reprodução simulada dos fatos, realizada na tarde da última quinta-feira (23/04).
Ressalta-se, acima de tudo, o respeito à vida, à dignidade humana, mas também o esforço hercúleo que os agentes de segurança do interior do Estado realizam diariamente para salvaguardar a sociedade dos municípios de pequeno porte, que nos últimos anos foram assolados por assaltos a banco com uso de cordão humano e lutam contra a precariedade dos meios de trabalho e salários parcelados. Reforçamos que o fato ocorrido foi uma fatalidade e que as provas disso serão apresentadas durante as investigações.
Alerta-se, por fim, que a infelicidade do episódio não pode afastar a veracidade das falas e nem da cronologia dos fatos, não somente por atrapalhar a condução das investigações, mas por se tratar de crime de falso testemunho e atentar contra a dignidade de honrados agentes públicos, que fazem dos seus dias as noites e das noites os dias na realização da segurança pública de todos os gaúchos e gaúchas. Portanto, pedimos a compreensão de todos para que haja cautela e parcimônia na formação de juízos de valor a respeito desse trágico episódio, que está sendo devidamente apurado pelas autoridades competentes."
José Paulo Schneider (OAB/RS 102.244) e Ricardo de Oliveira de Almeida (OAB/RS 104.666)