Mesmo com a suspensão de decisões judiciais que concederam, de forma supostamente indiscriminada, prisão domiciliar humanitária a detentos por causa da pandemia do coronavírus, há incerteza sobre o retorno deles para o sistema penitenciário. Com as novas medidas, se a volta para as prisões for determinada, as autoridades ficam diante de outros dois problemas: investir em estrutura para prender os que não se reapresentarem e avaliar se algum pode levar risco de contaminação pela covid-19 para dentro das cadeias, já que estiveram na rua em contato com outras pessoas.
A expectativa do Ministério Público (MP), que tem recorrido de decisões dadas sem que o promotor seja ouvido ou de forma contrária à manifestação do MP, é de que os detentos retornem à prisão.
Mas em algumas situações não há sequer clareza sobre o que está sendo determinado quando os recursos do MP são acatados. Uma decisão do Tribunal de Justiça (TJ), por exemplo, emitida semana passada e que suspendeu os efeitos da liberação de 52 pessoas pela 2º Juizado da 1ª Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, causou dúvidas.
O MP entendeu que estavam cancelados os benefícios e que os 52 voltariam ao Presídio Central e à Penitenciária Estadual de Porto Alegre. Tanto que fez petição para que a decisão do TJ fosse executada imediatamente. Titular da 1ª VEC, a juíza Sonáli da Cruz Zluhan estava de férias e não foi a responsável pela soltura, e também buscou junto ao TJ informação sobre como proceder a partir da decisão. Foi informada de que, ao suspender o benefício da domiciliar, o desembargador Volcir Antonio Casal não estava determinando a prisão daqueles detentos.
GaúchaZH questionou o TJ sobre o significado da decisão. O desembargador respondeu, por meio da assessoria de comunicação, que “suspendeu a decisão genérica pelo fato de o MP não ter sido ouvido. Cabe ao MP e à juíza darem andamento da forma como julgarem ser correta, como interpretarem a decisão”.
– Vamos pedir as prisões de todos. Foram beneficiados em decisão genérica, sem análise individualizada, sem pareceres dos promotores ou contra a manifestação do MP – afirmou o subprocurador-geral para Assuntos Institucionais do MP , Marcelo Dornelles.
A juíza Sonáli disse que os casos serão revistos:
– A decisão está sendo analisada, tendo em vista que foi dada pela juíza substituta, durante o período de uma semana de minhas férias. Entendo que deve-se analisar caso a caso, e não de maneira genérica, e sempre com intimação prévia do MP. Desde que a reassumi, este é o método utilizado: cada preso tem o seu processo analisado e é dada vista ao MP – esclareceu Sonáli.
Autoridades consultadas por GaúchaZH avaliam ser difícil o retorno dos detentos ao sistema prisional. Desde a publicação de recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo menos 1,8 mil ganharam prisão domiciliar ou liberdade, conforme dados do TJ do RS. Levantamento do MP indica número bem maior: mais de 3 mil.
Juízes estariam se apegando ao fato de o preso ter alguma doença que o enquadre no grupo de risco para passar a ter direito ao benefício de sair da prisão. O MP sustenta que isso não pode ser automático, dependendo de análise de caso a caso. O próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, já se manifestou a respeito:
– Há necessidade de proteção dos estabelecimentos prisionais, mas seria uma medida muito simplista simplesmente abrir as portas dos presídios, deixando vulnerável o restante da população – afirmou Moro.
– O MP está firme e vigilante para evitar solturas indevidas de presos. Eles têm de cumprir as suas penas, aplicadas dentro do devido processo legal pelo próprio Judiciário. O isolamento já é inerente à prisão. Muitos dos que foram soltos já estão voltando pela prática de outros crimes – destaca Dornelles.
Na decisão que suspendeu os efeitos das prisões domiciliares concedidas pelo 2º Juizado da 1ª VEC, o desembargador Casal escreveu: “A pandemia do coronavírus, por si só, não significa a adoção de medidas genéricas e indiscriminadas, assim como não se poderia falar na simples abertura das portas de todos os presídios. É indispensável examinar cada caso”.
Os 52 detentos do Presídio Central e da Penitenciária de Porto Alegre liberados respondem por crimes como furto, roubo, tráfico de drogas, porte ilegal de arma de uso restrito e homicídio. A ação que resultou nas solturas foi de iniciativa da Defensoria Pública, que disse que “vai analisar caso a caso para ver quem tem direito”. “Importante ressaltar que a instituição não entrará com ações coletivas e genéricas”, afirmou ao ser procurada, por meio da assessoria de imprensa.