O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) admite que 1.878 presos foram libertados como precaução para evitar que a pandemia de coronavírus se espalhe no sistema penitenciário. Isso ocorreu entre 18 e 27 de março e corresponde a 4,47% das 42 mil pessoas encarceradas antes desse período.
Os números do TJ diferem bastante de outros, sobre o mesmo assunto, apresentados pelo Ministério Público Estadual (MP-RS). Conforme dados do Centro de Apoio Operacional Criminal do MP-RS, referentes ao período de 18 a 25 de março, foram liberados 3,4 mil presos como precaução em relação ao coronavírus. Isso corresponde a 8,2% do total de 42 mil pessoas enquadradas no sistema penitenciário na ocasião.
O levantamento do Judiciário abrange concessões de liberdade provisória, revogações de prisões preventivas e transferências de presos para prisões domiciliares, e foi feito pela Corregedoria-Geral de Justiça.
“As liberações visaram à preservação da saúde de presos enquadrados em grupo de risco, como idosos e portadores de comorbidades graves, inclusive para evitar o contágio generalizado do restante da população prisional que permanece encarcerada por ordem judicial e dos servidores públicos que atuam nos estabelecimentos penitenciários”, enfatiza texto elaborado pela Corregedoria.
O TJ enfatiza ainda que a maioria dos presos postos em prisão domiciliar cumpria pena em regimes aberto e semiaberto, com direito a trabalho externo e saídas temporárias, ou seja, já conviviam em sociedade. Só 100 seriam do regime fechado. E que as liberações passaram antes por pareceres de promotores de Justiça. Os magistrados asseguram que os pedidos de soltura são examinados de forma criteriosa e que não ocorrem libertações indiscriminadas. A Corregedoria enfatiza que as liberações acontecem num contexto de superlotação das cadeias, o que as torna vulneráveis à pandemia. Em Lagoa Vermelha, as celas estão com lotação 400% acima da capacidade. Na Cadeia Pública de Porto Alegre, 200%.
Qual o motivo da discrepância entre os dados? GaúchaZH ouviu os dois lados e o que se constata é diferença de interpretação. O TJ diz que sua pesquisa se embasa nas decisões de magistrados que justificaram expressamente solturas com base na Recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essa entidade recomenda aos tribunais e juízes “a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo” e diz que foram levados em conta os despachos que mencionam explicitamente essa recomendação.
Já o Ministério Público se embasou na liberação maciça de presos após o advento da pandemia, mesmo que não tenham citado expressamente a recomendação do CNJ. E, também, na recusa crescente de juízes em decretarem prisões em flagrante e preventivas. Em nota, o MP diz que foi contrário a muitas liberações e reitera que o número de solturas está muito além do habitual:
“O MP reitera que, ao observar o número elevado de solturas, neste período específico desde a Recomendação nº 62 do CNJ, não encontra outra motivação para tal elevação atípica, além do temor coletivo gerado pelo coronavírus. Nada de anormal aconteceu no país que pudesse explicar o elevado número de presos liberados no RS, em curto espaço de tempo, além da pandemia”.
O MP tem recorrido contra as liberações e, em alguns casos, sido bem sucedido. Na sexta-feira (27), o desembargador Newton Brasil de Leão, da Terceira Câmara Criminal do TJ, suspendeu decisão de uma juíza de Palmeira das Missões (norte do RS) que “concedeu prisões domiciliares de forma indiscriminada, e sem obrigatoriedade de monitoramento eletrônico, a condenados dos regimes aberto, semiaberto e fechados”. O desembargador determinou suspensão da decisão e justificou:
“É forçoso concluir que a decisão recorrida vai de encontro a todas as medidas de segurança adotadas no âmbito estadual e nacional, além de gerar à sociedade, em meio ao pânico causado pela pandemia, um sentimento de insegurança do sistema jurídico brasileiro que, genericamente, põe às ruas apenados já condenados sem analisar a situação específica de cada um deles”.
GaúchaZH durante três dias tentou obter um número mais preciso por parte da Secretaria de Administração Penitenciária, mas o levantamento não foi concluído.