O desfecho do ataque a dois bancos na madrugada desta sexta-feira (6), em Paraí, na Serra, e que deixou sete criminosos mortos tem um forte aparato de informações por trás: são 52 agências de inteligência da Brigada Militar (BM) funcionado em todo o Estado para articular e interpretar informes com graus diversos de veracidade e de lógica.
— Nunca se tem a frase pronta, do tipo "vamos assaltar amanhã em Paraí". É uma construção de milhares de informações que nos chegam no dia a dia e são reunidas pelos policiais das pontas, das agências locais e do policiamento, que têm a capacidade e capilaridade para coletar tudo isso. Depois, os analistas interpretam — explica o tenente-coronel Luigi Gustavo Pereira, chefe da 2ª Seção do Estado-Maior da Brigada Militar, que é a Agência Central de Inteligência da BM.
Foi assim, catalogando informações, que a BM monitorou, por 32 dias, dentro da Operação Angico, possíveis ações de um grupo que foi flagrado em fevereiro quando se preparava para atacar bancos. Em 4 de fevereiro, forças táticas da BM interceptaram o bando em Estrela. Três criminosos morreram e cinco suspeitos foram detidos. Foi rastreando identidades e relações desse grupo que a inteligência da BM pode detectar o plano do assalto em Paraí, conforme o subcomandante-geral da corporação, coronel Vanius Cesar Santarosa.
Com informação em mãos, a BM se articulou para agir num cenário conhecido: um município pequeno, com pouco efetivo policial e, portanto, com maior facilidade para assaltantes de banco agirem, especialmente em ações batizadas como "novo cangaço".
Paraí é guarnecido no dia a dia por cinco policiais militares. Mas estava presente na região e nas proximidades dos bancos uma força seis vezes maior: entre 32 e 34 PMs do Batalhão de Polícia de Choque e da Força Tática de Caxias do Sul, ou seja, equipes com treinamento e armamento diferenciado, especializadas em ações que envolvam maior número de criminosos.
— Nunca vai ter efetivo suficiente para combater algo assim em cidades pequenas. Por isso, temos de nos antecipar com inteligência, que vai nos dizer o que, como, quando e onde. Queremos atuar na prevenção, prender esses criminosos antes que entrem nas cidades. Mas o confronto quem escolhe não somos nós, como costumava dizer o coronel Ikeda (antecessor de Mohr no comando da BM, coronel Mario Ikeda). É o criminoso quando não se rende que nos nos obriga a agir — afirma o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Rodrigo Mohr Picon.
A suspeita de que um ataque seria feito por remanescentes e ligados ao grupo interceptado em Estrela ficou mais forte nos últimos 12 dias, conforme o tenente-coronel Luigi. E somente há três dias é que se definiu a região da Serra como alvo. A suspeita de que a ação seria em Paraí se fortaleceu na noite de quinta-feira (5).
— Vamos reunindo informações sobre as características dos municípios, onde tem bancos lado a lado ou na mesma rua, policiamento menor. Vamos juntando x, y e z e nos aproximamos da região e, às vezes, identificamos a cidade. A estratégia é ter supremacia de força e posicionar as equipes em estradas. O objetivo não é fazer presença ostensiva, estacionar na frente do banco como é feito no policiamento diário. O objetivo é prisão, é tirar de circulação, pois já se sabe que estão armados, com explosivos e com a missão de atacar — explicou Luigi.
A descoberta do local onde será o ataque, ou aos menos, a região aproximada é uma construção minuciosa e demorada. A partir dos mortos e presos em Estrela, a inteligência passou a analisar o modus operandi dos criminosos — eles costumam se especializar em determinados tipos de ação, no caso específico, em assaltos que podem se tornar ações de novo cangaço, com uso de escudos humanos. Outra análise é a de pessoas das relações daqueles criminosos: onde estão, se estão presas, soltas, em que cidade se concentram, para onde têm viajado, se ganharam liberdade há pouco tempo, se trabalham, como ganham a vida, com quem se encontram, quem é a família.
Muitas vezes, um pedaço de informação que pode agregar no quebra-cabeças surge de uma prisão casual, de rotina, do comentário de um detento ou do informe de outros órgãos, como a Polícia Civil. Assim, tudo vai sendo comunicado às agências de inteligência locais, que funcionam junto a unidades da BM. Para evitar vazamentos e garantir o sucesso das ações policiais, as informações ficam restritas aos setores diretamente envolvidos. O próprio comandante-geral da BM afirmou que só soube da possibilidade de ataque e sobre a operação que estava formada na noite da quinta-feira (5), poucas horas antes do confronto.
Por fim, tem de haver o planejamento sobre o efetivo. A ideia é não desguarnecer o policiamento do dia a dia. Por isso, são empregadas as forças especiais, treinadas para ações do tipo. Os cinco batalhões de Polícia de Choque do Estado foram mobilizados nas últimas horas. No caso de hoje, por exemplo, tudo foi planejado sem interferir em outra ação que está em andamento, que é a segunda fase da Império da Lei. Com a transferência de 18 líderes de fações para prisões federais, a BM colocou nas ruas policiamento ostensivo reforçado para sufocar eventuais represálias.
A operação Angico
A operação que tem nome inspirado na "Grota de Angico", no Sergipe, onde o grupo de cangaceiros liderados por Lampião foi morto em 1938, foi lançada no segundo semestre de 2019.
Coordenada pelo subcomandante-geral da BM, coronel coronel Vanius Cesar Santarosa, tem atuação em três eixos:
- Impedir que explosivos cheguem às mãos de criminosos. Para isso, é forte a fiscalização junto a transportadoras e pedreiras, já que o material é fornecido ao mercado criminosos por meio de desvios, furtos ou roubos.
- Ações cirúrgicas contra criminosos especializados no manuseio e ensinamentos de uso de explosivos. São as pessoas que capacitam as quadrilhas.
- Posicionar efetivos para pronta-resposta a ataques, como foi o caso da ação nesta sexta-feira.
Santarosa destacou a prisão de um especialista em explosivos, ocorrida em dezembro, como um dos links com a quadrilha investigada e interceptada em Estrela, no Vale do Taquari, em fevereiro. O criminoso preso na ocasião foi Agripino Brizola Duarte, condenado a mais de 60 anos por assaltos e latrocínios.
— A prisão dele colaborou para a identificação da quadrilha encontrada em Estrela e que faria um ataque na região da Serra. A partir daí, seguimos monitorando outros integrantes do grupo — disse Santarosa nesta sexta-feira.