O Tribunal de Justiça (TJ) manteve a condenação de um estudante de medicina de 29 anos, pelo crime de estupro virtual, cometido contra uma criança de 10 anos. Na decisão, os desembargadores entenderam que trata-se de um caso sem precedentes, em que a análise permeia a tutela da dignidade sexual de uma criança em sintonia com a evolução legislativa destinada a sua proteção integral. Cabe recurso desta decisão.
A acusação do Ministério Público (MP) sustentou que o assédio praticado por meio de sites de relacionamento e chat na internet constituiu estupro virtual. De acordo com o MP, Andrio Coletto Bozzetto incentivava a vítima a se despir e praticar atos libidinosos, inclusive pedindo expressamente que o menor ligasse a câmera e tirasse a roupa.
O pedido da defesa para desclassificar o crime de estupro de vulnerável para importunação sexual foi rejeitado pelos desembargadores Naele Ochoa Piazzeta, Dálvio Leite Dias Teixeira e Fabianne Breton Baisch. A pena de prisão ficou definida em 12 anos, nove meses e 20 dias. Em 2018, em primeiro grau, Bozzetto foi condenado a 14 anos, dois meses e 11 dias.
No acórdão, os desembargadores pontuam que "a internet não é um universo sem lei, portanto, as práticas violadoras de direitos efetuadas nessa esfera cibernética também estão sujeitas as sanções necessárias para garantia da máxima efetividade da dignidade humana, valor fundamental do qual decorre a tutela da dignidade de crianças e adolescentes, incluída a sexual".
A decisão reforça que é "inegável a existência de uma evolução legislativa que busca assegurar a proteção de crianças e adolescentes, as quais fazem parte de um grupo vulnerável e mais exposto ao risco de serem alvo de diversas formas de violência, entre elas a sexual".
Na avaliação da coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões, Denise Casanova Villela, a decisão muda o paradigma da proteção da infância no Brasil.
— É um acórdão inédito e inovador, alinhado com a modernidade porque trata de questões cibernéticas. Ao longo dos anos vínhamos recebendo crianças que tinham consequências gravíssimas com relação a atuação na internet, onde eram assediadas e aliciadas. Esse caso em especial guarda uma configuração diferente, o agressor estava em Porto Alegre e a vítima em São Paulo, mas os fatos aconteceram simultaneamente, em tempo real e no mundo virtual — disse a promotora em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, na manhã desta segunda-feira (2).
Segundo Denise, a tese acusatória se baseia no fato de que a consequência para a criança é a mesma, não importando se o crime aconteceu dentro ou fora do mundo cibernético.
— O dano emocional é o mesmo. Estes casos são muito mais comuns do que se pode imaginar. O dano emocional é realmente devastador. As crianças chegam na Promotoria da Infância, em alguns casos, já se automutilando e muitas com tentativas de suicídio. São consequências muito graves que demandam intervenção imediata — completou.
A investigação revelou ainda que o réu mantinha o armazenamento de mais de 12 mil imagens de pornografia infantojuvenil organizadas por classe:
— Foi um trabalho muito bem realizado, que traz inovação significativa ao mundo do direito. Trata-se de um caso sem precedentes sobre a tutela da dignidade sexual infantojuvenil.
Contraponto
O advogado Tiago Lima Gavião, que defende Bozzetto, disse que o "caso não transitou em julgado e irá recorrer da decisão".
Relembre o caso
Em dezembro de 2018, o estudante de medicina de Porto Alegre Andrio Coletto Bozzetto foi condenado a 14 anos, dois meses e 11 dias de prisão pela juíza Tatiana Gischkow Golbert, da 6° Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre. O Ministério Público havia apresentado denúncia em outubro de 2017 pelos crimes de "adquirir, possuir ou armazenar fotografia com cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente" e "estupro virtual de vulnerável".
O estudante foi preso em 19 de setembro de 2017 em um plantão de um hospital na Capital. No apartamento do suspeito, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, foi encontrado um computador contendo mais de 12 mil fotografias de crianças e adolescentes em situação de pornografia. Celular e outros equipamentos também foram recolhidos pelos técnicos do Instituto-Geral de Perícias (IGP), que acompanharam o cumprimento do mandado de busca e apreensão e iniciaram a perícia nos equipamentos ainda no local.
A investigação começou em abril de 2017, em São Paulo, quando o pai de um menino de 10 anos percebeu que o filho trocava mensagens de conteúdo sexual com Bozzetto. Ele levou o caso à Polícia Civil paulista, que rastreou os diálogos e chegou a Porto Alegre, descobrindo que mensagens eram enviadas de computadores da faculdade onde o estudante era aluno.