Ângela Christiany Nobre Palácio, 24, foi à loja de conveniência de um posto de gasolina do bairro Cristo Redentor, periferia de Fortaleza, na madrugada de terça -feira (25), mas não voltou para casa. Ela foi vítima de uma bala perdida durante tiroteio nas proximidades. A Polícia Civil investiga o caso, mas Ângela faz parte da estatística do Carnaval mais violento do Ceará desde 2011, quando passa a haver dados consolidados de homicídios.
Entre sábado (22) e terça, pelo menos 107 assassinatos ocorreram em todo o Estado, superando os 76 de 2015. Os dados foram levantados com base em números da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). Comparado com 2019, a cifra mais que triplicou: no ano passado ocorreram 33 homicídios durante o Carnaval.
O número total de homicídios desde que a paralisação de parte da Polícia Militar do Estado começou, na tarde do dia 18 de fevereiro, chega a 195, com dados contabilizados até terça. O governo Camilo Santana (PT) parou de informar a atualização diária do número de assassinatos. Os dados de terça (25 homicídios), os últimos disponíveis, foram passados pelo Exército, que atua no policiamento ostensivo no Ceará por meio da Garantia da Lei e da Ordem.
Na quarta (26), o coronel do Exército Leônidas Carneiro disse em coletiva que a chegada das Forças Armadas havia diminuído em 35% os homicídios. A comparação foi feita foi em relação ao auge das mortes violentas, na sexta (21), quando houve 37 assassinatos.
— Estamos trabalhando para que números (de homicídios) caiam. Resultado está dentro do previsto — disse Carneiro.
Em nota, a secretaria informou que estava divulgando os dados de forma extraordinária e que agora o setor responsável volta ao trabalho habitual, de consolidar os números mensais — e, com o fim do Carnaval, há um acúmulo de trabalho no setor de estatística, que deve ser normalizado nos próximos dias.
Na segunda-feira (17), que antecedeu o início do motim dos policiais, o Ceará teve três homicídios. Na terça (18), quando teve início a paralisação com a ocupação de um batalhão no bairro Antonio Bezerra, em Fortaleza, no fim da tarde, foram cinco. Entre 1 e 18 de fevereiro, foram 164 homicídios, média de nove por dia, muito inferior aos quase 28 diários que ocorreram desde o início da paralisação dos policiais.
Ainda no começo do Carnaval, na madrugada de sábado, um homem de 39 anos e sua filha, de 1 ano e 11 meses, foram assassinados dentro de casa em Beberibe, a 80 km de Fortaleza. A investigação inicial aponta para um erro dos criminosos, que teriam confundido o homem com outro ligado a uma facção criminosa. A explosão dos assassinatos com o motim dos policiais se deve também ao fato de os bandidos sentirem-se à vontade para realizar acertos de contas.
— Vira um terreno sem dono, e as facções aproveitam essa situação para seu ajuste de contas. Tivemos nos últimos anos crescimento da GDE (Guardiões do Estado), uma facção local, e o Comando Vermelho e o PCC (Primeiro Comando da Capital) podem usar esse período para recuperar esses terrenos — disse Cesar Barreira, sociólogo que coordena o Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará.
Quem não está envolvido na guerra de facções também sofre. Ainda em 19 de fevereiro, o segundo dia da paralisação, Maria de Paula Moura Miguel, 26, voltava de carro da escolinha de futebol com a mãe e os dois filhos, de 5 e 7 anos, quando acabou baleada em uma tentativa de assalto. Ela foi socorrida com vida, mas morreu no hospital.
Após 11 dias de protestos, ainda há quatro batalhões da Polícia Militar fechados por policiais amotinados e familiares. A paralisação da categoria ganhou repercussão nacional na semana passada, quando o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE) foi baleado em Sobral (270 quilômetros de Fortaleza) após investir contra amotinados com uma retroescavadeira. Cid já teve alta e se recupera em sua casa em Fortaleza.
Um comissão foi criada entre membros dos três poderes do Ceará para negociar com os policiais. Foi indicado um mediador, o coronel da reserva do Exército Walmir Medeiros, e as partes começaram a conversar nesta quinta (27). Os policiais mandaram proposta com 18 reivindicações, entre elas anistia para os grevistas e aumento salarial acima do que foi oferecido pelo governo estadual.
O governador do Ceará tem afirmado que não pretende dar anistia e que o valor oferecido de reajuste, que elevaria o salário de um soldado da PM de R$ 3.475 para R$ 4,5 mil, é o máximo que se pode dar hoje sem atrapalhar as contas do Estado.