Policiais militares fechando quartéis, com rostos cobertos por balaclavas, esvaziando pneus de viaturas e promovendo toque de recolher a comerciantes. O cenário registrado no Ceará nestes dez dias de paralisação de policiais militares, sem previsão de encerramento, “é pouco provável que aconteça no Rio Grande do Sul”. A avaliação é do presidente do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul (TJM), Fábio Duarte Fernandes, que já ocupou o posto de comandante Geral da Brigada Militar (BM).
Conforme o militar, há duas razões principais para isso: há salários satisfatórios sendo pagos aos servidores e a Brigada não têm histórico de dar margem a ilegalidades durante reivindicações. Durante o governo Tarso Genro, foram aprovados reajustes a servidores da Brigada Militar que foram pagos durante o governo de José Ivo Sartori.
— Acho pouco provável (que aconteça no RS o que está ocorrendo no Ceará). A Brigada Militar tem mais de 180 anos, não tem essa situação em sua história. Historicamente, a Brigada não tem perfil de fazer reivindicações por meios ilegais, que afrontem a Constituição e a legalidade. Já houve movimentos, algumas questões, mas em nenhum momento isso chegou para a justiça militar. Também, as associações têm reconhecimento por parte dos governos. E, foi aprovada recentemente uma legislação e, até onde se tem conhecimento, a questão salarial e o pleito dos servidores estão atendidos — diz Fernandes.
O presidente do TJM acrescenta que, pela tradição da BM, o servidor que cometer crimes durante reivindicações, sabe que será punido.
— O servidor da Brigada sabe que, se isso ocorrer, a Justiça Militar será acionada, e isso coloca em risco a sua carreira, com prisão em flagrante, prisão disciplinar e até exoneração. Isso pesa na balança — acrescenta Fernandes.
Proibição constitucional
De acordo com a Constituição de 1988, membros das Forças Armadas e policiais militares não podem fazer greve. A proibição foi estendida a policiais federais e civis em entendimento do STF de 2017. O plenário do STF decidiu que todos os servidores que atuam diretamente na área de segurança pública não podem exercer o direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, por desempenharem atividade essencial à manutenção da ordem pública. A Corte vetou o direito de paralisação de policiais civis, federais, rodoviários federais e integrantes do Corpo de Bombeiros, entre outras carreiras ligadas diretamente à segurança pública. Essas profissões mantêm o direito de se associar a entidades.
O presidente do TJM argumenta ainda que, ao ingressar no ambiente militar, o servidor está ciente dos benefícios e restrições envolvidos na carreira.
— O sujeito quando vem para a carreira militar sabe que não pode se sindicalizar, fazer greve, se filiar a partido político. Se quiser isso, sai da carreira militar — diz Fernandes.
O ex-comandante da BM avalia que os militares cearenses envolvidos nos protestos podem ser enquadrados, pelo Código Penal Militar, no crime de motim. Fernandes ainda alerta que há risco em se anistiar os envolvidos neste movimento.
— Acho temerário porque se abre um precedente. Dá ideia de impunidade. Acho improvável que o governador (do Ceará, Camilo Santana) aceite (conceder anistia aos grevistas). Existe a questão do comandamento, importante na carreira militar. Quando o governador determina e a ordem não é cumprida, se fragiliza a estrutura de gestão — afirma Fernandes.
Até domingo (23), mais de 200 servidores da Segurança Pública do Ceará haviam sido afastados pelo governo cearense, por envolvimento nos protestos. Durante a primeira semana de greve de policiais no Ceará, a média de homicídios cresceu, chegando a 170 pessoas assassinadas.