O Ministério Público de Contas recomendou que a Secretaria da Segurança Pública (SSP) deixe de usar a portaria que estabelece sigilo a dados da área. O expediente do órgão foi encaminhado nesta sexta-feira (20) ao governo do Estado, pouco mais de três meses após GaúchaZH revelar detalhes do documento que possibilita reserva de até 100 anos para boletins de ocorrência e outras informações solicitadas pela sociedade via Lei de Acesso à Informação (LAI).
No texto, o procurador-geral do MP de Contas, Geraldo da Camino, também indicou que poderá fazer uma representação ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) em caso de descumprimento da recomendação. Ainda estabeleceu ao governo o prazo de 30 dias para que informe se irá adotar ou não a medida.
O procurador criticou a portaria em sua decisão:
"Contraria a Constituição Federal, trazendo restrição a direito fundamental além do autorizado pela Magna Carta e pela Lei Federal Regulamentadora, o que configura-se irregularidade passível de exame pelo Tribunal de Contas".
Da Camino foi além, atacando a tabela que consta na portaria:
"(...) Reforça a ideia de que qualquer informação ligada a um dos itens nele contidos passa a ter, antecipadamente, status de sigilo, indo de encontro à diretriz da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção".
Procurada por GaúchaZH, a SSP informou que "responderá dentro do prazo, como fez na oportunidade em que forneceu todos os esclarecimentos quanto à absoluta legalidade da portaria 127". Alegou ainda que " já vem cumprindo a recomendação do MPC, porquanto toda e qualquer classificação ou indeferimento de pedido de acesso à informação (caso a caso) se dá com base nos critérios da LAI".
A portaria, publicada em agosto de 2019, traz uma tabela com 18 categorias de informações que agora são secretas, e só poderão ser divulgadas em prazos que vão de cinco a cem anos. Especialistas em Lei de Acesso à Informação e associações de jornalistas, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), atacaram a medida, que foi considerada genérica, aumentando o fator interpretativo na revelação de dados públicos.
Além do item de 100 anos de sigilo a boletins de ocorrência, outros chamam a atenção, como um em que o governo declara que “assuntos prisionais" são reservados e têm prazo de 15 anos para serem divulgados, sem detalhar quais são. Na lista do sigilo, também entraram dados sobre distribuição de efetivo, normas internas, armamentos, viaturas, equipamentos de proteção, frota, combustíveis, munição e explosivo.
Antes mesmo de ser publicada, a tabela foi usada como argumento para negar um pedido de informação via LAI feito pela reportagem. GaúchaZH questionava a porcentagem de coletes vencidos nas forças de segurança, após reclamações de policiais civis e militares. O Sindicato dos Servidores da corporação estima que 50% dos equipamentos estejam vencidos, mas o Estado preferiu não informar.
A negativa de informação ao pedido da reportagem também consta nos argumentos usados pelo MP de Contas na recomendação de que a portaria deixe de ser usada.
À época, o secretário da Segurança Pública chegou a declarar à Rádio Gaúcha que "não é salutar" para a sociedade saber o número de presos a mais nas casas prisionais superlotadas. Depois, voltou atrás.
Confira a manifestação da SSP
Conforme sistemática e reiteradamente informado ao veículo, a SSP publicou a Portaria 127 para cumprir uma determinação do próprio Tribunal de Contas do Estado. Aliás, essa informação até agora não foi valorizada pelos autores das matérias. A Portaria 127 não impõe qualquer tipo de sigilo, apenas lista categorias de informações passíveis de serem classificadas conforme critérios da LAI, termo que consta no documento original da Portaria 127 e o qual a reportagem também tem deliberadamente desconsiderado.
Em relação à recomendação do MPC, a SSP responderá dentro do prazo, como fez na oportunidade em que forneceu todos os esclarecimentos quanto à absoluta legalidade da Portaria 127. Ainda assim, cabe salientar que a SSP já vem cumprindo a recomendação do MPC, porquanto toda e qualquer classificação ou indeferimento de pedido de acesso à informação (caso a caso) se dá com base nos critérios da LAI (artigos 23, 24 e 31), reproduzidos na Portaria 127.