O terreno aos fundos do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) é uma área de chão batido e mato onde, no passado, planejou-se construir uma prisão. O plano foi abandonado, sobrando um acumulado de caliça sem qualquer uso. O local é protegido por um portão de ferro com a pintura descascada pela ação do tempo, de 3 metros de altura, e cercado por muro de tijolos à vista, ainda mais alto. Da rua, é invisível.
Quando decidiu transferir as viaturas com presos da frente do Palácio da Polícia para o espaço, o secretário de Administração Penitenciária, Cesar Faccioli, recebeu críticas de que estaria tentando camuflar o problema, afastando dos olhos da população — nos dias mais críticos, as "celas ambulantes" chegaram a bloquear parte do trânsito na Avenida Ipiranga. Ele negou:
— O critério que orientou a decisão foi a segurança de presos e agentes. Já ouvi comentário em rádio de que o secretário fez uma maquiagem. Nada contra, mas não sou maquiador.
O problema de detentos "na nuvem", como são chamados pelas autoridades aqueles que ainda não entraram em um estabelecimento penitenciário depois de presos, é alvo de ao menos quatro ações contra o Estado. No mais recente, em maio, a Defensoria Pública pediu que 690 presos do regime fechado que têm direito de progredir de pena fossem para o semiaberto ou aberto, abrindo vagas nas cadeias e liberando as viaturas.
Mesmo com prazo de 48 horas estabelecido pelo Judiciário, o Estado não conseguiu cumprir a decisão. Dada a complexidade do problema, o Tribunal de Justiça e a secretaria deram início a um processo de mediação, do qual participam Defensoria, Brigada Militar, Polícia Civil, Ministério Público e Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
A quarta reunião do grupo está marcada para a próxima quinta-feira, dia 15. Nesse encontro, o governo do Estado deve apresentar os detalhes da criação do primeiro centro integrado para receber presos, um prédio onde ocorreria desde o registro da prisão, passando pela custódia em celas, triagem e eventual instalação de tornozeleira.
No governo, o plano é comentado com discrição. Informalmente, as autoridades pediram sigilo umas as outras para só anunciar a medida quando todas as pontas estiverem amarradas. Porém, sabe-se que o primeiro será inaugurado em um município da Região Metropolitana, em um galpão alugado. Já os termos do contrato ainda estão em negociação. Um segundo centro está previsto para Porto Alegre, em uma área em desuso do Estado.
— Está todo mundo olhando só o incêndio. Passado o fogo, temos de fazer uma política pública consistente — disse Faccioli.
Em paralelo, discute-se ampliar a capacidade de presídios da Região Metropolitana. Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do Ministério Público, Luciano Vaccaro, há casas prisionais que poderiam comportar mais gente do que o limite estabelecido pela Vara de Execuções Criminais.
— Precisamos criar vagas no sistema. Temos, diariamente, pessoas presas que continuam praticando crimes. Soltar, como alguns pregam, por que as nossas casas prisionais estão cheias? E a população, como fica? Não tem mais esse romantismo, a sociedade é refém dessa violência.
Adepta à mediação judicial, a desembargadora Vanderlei Kubiak coordena esse processo de conciliação. Ela afirmou ter confiança de que situações como a de Fernando*, hoje rotina, tenham fim ainda neste ano:
— Nenhuma lei permite que se deixem pessoas algemadas dentro de viaturas. Presumo que, em um país civilizado, isso seja ilícito.
* Nome fictício
Por que não publicamos o nome do preso?
A preservação da identidade foi uma condição da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) ao autorizar que GaúchaZH acompanhasse a rotina de um homem preso desde o flagrante até conseguir vaga no sistema prisional do RS.