O filme Show de Truman, no qual um homem é monitorado 24 horas por dia e tem sua rotina transmitida em tempo real por um programa de TV, foi usado pela Polícia Civil para exemplificar como vivem os moradores da Vila Nazaré, na zona norte de Porto Alegre, ao pedir à Justiça autorização para vasculhar casas, becos e locais usados como esconderijos de armas, munições e drogas.
A Operação Nasa, desencadeada na manhã desta quarta-feira (10) para cumprir 55 mandados de busca e apreensão, visava interferir no esquema criminoso que, segundo a polícia, funciona protegido pelas ruelas da vila — encravada entre muros de grandes depósitos de empresas, o aeroporto Salgado Filho e terrenos baldios saturados de lixo. Na ação, foram apreendidos 9 quilos de maconha e dois quilos de cocaína.
Investigação da 4ª Delegacia da Polícia Civil apontou que moradores vivem dominados pelo medo imposto por uma organização criminosa que vende drogas e engorda os lucros com roubos e receptações. Cerca de 1,3 mil famílias vivem na região.
A remoção de famílias da área onde será feita a ampliação da pista de pousos e decolagens do aeroporto, promovida pela prefeitura, foi um dos estopins da investigação. Foi constatado que moradores que aceitaram ser transferidos para dois condomínios estariam sofrendo ameaças de traficantes preocupados em manter seus negócios na região.
Segundo a apuração, criminosos subjugam moradores a lhes prestarem proteção, aliciam olheiros e coordenam um sistema que tornou a Nazaré um cenário totalmente vigiado: qualquer movimentação fora da rotina estipulada pelas regras faz soar alertas para que os bandidos escapem. A polícia tem dificuldades de entrar nos becos e de identificar casas e pessoas.
Transferência
A ofensiva desta quarta-feira conta com 250 policiais e investiga 49 pessoas. O delegado Cristiano de Castro Reschke, responsável pela apuração, explica que ações como apenas prender olheiros ou pequenos vendedores de drogas não reduzem o efeito nocivo da atuação dos criminosos sobre a comunidade. Segundo ele, diversos trabalhos já foram feitos na região, sem surtir efetivo resultado.
A investigação apurou que, nos últimos meses, a eminente mudança de moradores vinha causando inquietação entre os criminosos. Conforme a polícia, enquanto tentam manter a rede já formada na região, traficantes estariam dispostos a tomar outras áreas para reinstalar seus negócios.
O local escolhido precisaria ter geografia semelhante à da Vila Nazaré — que dificulta o acesso do poder público — e não pode estar sobre o controle estatal, como estão os condomínios previstos para reassentar as famílias, nos bairros Sarandi e Rubem Berta.
Nessa "transferência" do grupo criminoso, a polícia teme que voltem a ocorrer episódios como os registrados em 2016, com disputa sangrenta entre facções nas ruas, com casos de decapitação e execuções à luz do dia. Com base nisso também a polícia sustentou os pedidos para a Operação Nasa — batizada assim por ser complexa e ter sido executada em um terreno inóspito, a exemplo das missões feitas pela agência espacial norte-americana.
Além do tráfico de drogas, são investigados crimes patrimoniais, receptação e ameaças a moradores. Os policiais buscam apreender dinheiro sem procedência comprovada, documentos que revelem informações da contabilidade dos traficantes, além de drogas, armas, munições, bens móveis sem comprovação de propriedade, objetos relacionados à preparação de drogas, computadores, telefones celulares e tablets. Um dos focos é localizar provas que levem à responsabilização dos líderes da organização.
A execução da operação se dá de forma integrada com cooperação da Brigada Militar, por meio do 20° Batalhão de Polícia Militar. A Polícia Civil também está empregando grupos especiais no cumprimento dos mandados.