Entre as medidas que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, pretende encaminhar ao Congresso Nacional em fevereiro, a proposta de alteração da pena para legítima defesa divide opiniões entre os especialistas na área.
O advogado Aury Lopes Jr., doutor em Direito Processual Penal e professor da PUCRS, considera "preocupante" a alteração prevista — em que o juiz poderia reduzir pena em 50% ou não aplicá-la se o excesso (número de tiros, por exemplo) decorrer de "medo, surpresa ou violenta emoção".
— Isso vai ser objeto de julgamento, mas eu não vejo necessidade, acho uma abertura (do código penal) muito grande — avaliou, em entrevista ao Gaúcha Atualidade desta terça-feira (5). — Além de ser subjetivo, eu tenho minhas dúvidas se isso não esbarra na soberania do júri — completou.
Já o procurador-geral de Justiça do RS, Fabiano Dallazen, avaliou a mudança prevista no pacote de Moro como parte da "sistemática do nosso direito penal". Para Dallazen, "isso não vai permitir que o policial saia agredindo".
— Ele está diante de uma agressão a sua vida e reage. O que ocorre é que quando em exercício da sua legítima defesa, por (disparar) um número maior que o necessário de tiros, acaba lesando mais que o necessário. Fica a punição, mas com uma redução justamente em virtude inicial de legítima defesa — avaliou.
Confira a entrevista completa com os especialistas
Principais pontos abordados
Prisão em segunda instância
Fabiano Dallazen considera um avanço a prisão em segunda instância e retomada da posição do STF. Ele explica que na "segunda instância já está definida toda a matéria de prova, já estão analisados todos os argumentos referentes ao mérito da questão."
— As instâncias superiores servem quando, muito, para modular, avaliar a questão referente à questão do dispositivo legal. Por isso o número de recursos providos lá são ínfimos, nada justifica a demora e a espera. — defende.
Já Aury Lopes Jr explica que o tema não vai se resolver agora com o pacote de Sergio Moro. Ele lembra que em abril o STF julgará a prisão em segunda instância.
— Na verdade, não tem eficácia alguma essa medida, se não apenas simbólica e sedante enquanto o Supremo não bater o martelo se é constitucional ou não.
— A prisão em segunda instância é ponto da discórdia exatamente porque viola a presunção de inocência e é uma prisão sem necessidade. Os tribunais demoram bastante, mas não vai ser a prisão em segunda instância que vai resolver o núcleo do problema. Os processos vão continuar demorando em Brasília, só que agora com as pessoas presas. — disse.
Encarceramento imediato de condenados meditativos por homicídio
Fabiano Dallazen não considera que a prisão é irracional, pois entende que a decisão do júri não será alterada ao longo do avanço de tribunais.
— Ela foi (aplicada) racionalmente, após deduzida a acusação, analisada as provas em primeira e segunda instância, e no caso do tribunal do júri, pelos jurados que tem uma soberania dos veredictos — diz. —É um medida muito importante, ainda mais quando se quer reduzir a questão dos índice de homicídios em um país que se mata 55 mil pessoas por ano.
Aury Lopes Jr discorda da prisão imediata, pois mesmo após o tribunal do júri, o suspeito pode recorrer da decisão ou pode ocorrer um novo júri, em que pode ser absolvido.
— A prisão automática é irracional a partir do momento em que ela não discute necessidade alguma. Se ele veio solto todo o processo, não representa risco algum, não apresenta perigo de fuga — diz.
Punição
Ao apresentar o pacote anticrime, Sergio Moro também falou do combate à impunidade aumentando o número de prisões, Fabiano Dallazen disse que, nesses casos, é preciso isolar as facções que hoje comandam muitas casas prisionais. Mas em relação a "criminalidade comum", ele defende um "plano não de desencarceramento". E defende:
— (O pacote) busca dar é efetividade. Ele traz a certeza da punição.
Aury Lopes Jr diz que a falta de vagas - principal problema carcerário - não será resolvido por um pacote de lei.
— Se fazer lei penal resolvesse, não teríamos problema. Temos penas e tipos penais de sobra, a questão é de efetividade. Temos que pensar coisas mais amplas. Isso não vai mudar a questão do presídio Central, por exemplo. — ressaltou.
Ele diz ainda que a violência urbana não é incluída no pacote, que foca na realidade da Justiça federal.
— Esse pacote (do Moro) tem algumas medidas que são importantes e já estão no código em tramitação. Mas aqui temos uma mudança "à la carte", que afeta uma dezena de leis. O sistema carcerário em sua essência não é afetado diretamente. Demanda ações muito mais efetivas