O casamento já estava marcado. Seria em fevereiro, com a presença de amigos e familiares. O matrimônio ocorreria após um ano e meio de relacionamento, iniciado em um bailão. Os dois já estavam até morando na mesma casa, em um condomínio fechado em Águas Claras, distrito de Viamão, na Região Metropolitana.
Mas um falso sequestro pôs fim aos planos. Às 20h45min de 16 de janeiro, o noivo — que não será identificado — passou a receber série de SMS do celular da amada. Nelas, criminosos exigiam R$ 300 mil para libertar a companheira, Fabiane dos Santos Costa, 36 anos. Assustado, ele procurou a polícia, que orientou a não fazer o pagamento do suposto resgate.
Os investigadores começaram as buscas e, horas depois, na madrugada do dia seguinte, receberam a informação de que ela estava no plantão da delegacia de polícia de Novo Hamburgo, a 52 quilômetros de distância de sua casa. Antes de chegar ali, foi encontrada por policiais militares próximo a um posto de combustível, alegando que tinha acabado de ser libertada do sequestro.
Com autorização judicial, policiais já tinham interceptado o telefone dela. Na gravação, uma mulher demonstrava preocupação ao saber que o companheiro não iria pagar o valor exigido.
Para dois policiais do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) que atuaram no caso, a voz feminina seria de Fabiane, o que também foi confirmado pelo companheiro dela. No áudio, um homem orienta a mulher a sair do suposto cativeiro e "dar uma de louca".
Em depoimento, ao qual GaúchaZH teve acesso, Fabiane apresentou inicialmente a versão de que havia sido "arrebatada por dois criminosos" na RS-040, em Águas Claras. Ao escutar a ligação gravada, voltou atrás e negou que havia sido sequestrada. No depoimento, afirmou que estava sendo chantageada e ameaçada por uma pessoa que "mataria a interrogada e sua família" e que apenas colaborou com o sequestro para "livrar-se das ameaças".
Da dupla, Fabiane conhecia apenas Luan Alex Haag, que foi preso na última terça-feira (22). Os dois frequentavam o mesmo centro de umbanda, onde se conheceram há sete meses. No depoimento, ela negou qualquer relação de amizade ou afetiva e que nunca teve manteve relacionamento amoroso com ele. Já o outro homem, ela não sabe o nome.
No dia do sumiço, a mulher pulou uma cerca nos fundos do condomínio para não ser flagrada pelas câmeras de segurança e ainda para não ser vista por um amigo que estava morando na casa desde novembro de 2018. Dali, pegou um táxi e seguiu até uma parada de ônibus na RS-040, próximo da casa de sua mãe. No local, entrou em um Marea branco conduzido por Luan — nesse veículo, no banco traseiro, estava o outro homem.
A mulher afirma que seguiu orientações do homem preso nesta terça-feira. "Que 20 minutos antes de sair de casa, Luan lhe telefonou de um número de celular que não se recorda e ordenou que a interrogada procedesse dessa forma.", diz trecho do depoimento.
De Águas Claras, foi levada para um motel em Novo Hamburgo, onde, segundo a mulher, foi obrigada a ficar até o dia seguinte. Ainda conforme o depoimento, ela teria ficado sozinha no local e não teria consumido drogas, como afirmaram à polícia funcionários do motel.
Sobre a gravação, confirmou que estava falando com Luan e negou que estivesse "preocupada ou assustada", segundo trecho do depoimento. De acordo com Fabiane, ela "só queria pegar o dinheiro, entregar para o Luan e poupar a vida" do companheiro e de sua família.
Negativa
A mulher nega que tenha escrito a mensagem, exigindo os R$ 300 mil. Do motel, a mulher foi de táxi até uma parada de ônibus perto de um posto de combustíveis. Os próprios funcionários do motel que chamaram o táxi para levar a mulher.
Após o depoimento, Fabiane se encontrou rapidamente com o companheiro. Os dois se abraçaram e, logo em seguida, o delegado João Paulo de Abreu chamou o homem em uma sala. Ali, o policial contou que ele havia sido enganado por Fabiane e chegou a mostrar o áudio da gravação. O homem reconheceu a voz da companheira e de Luan, que inclusive já havia frequentado a residência do casal. Além disso, ele já tinha até oferecido emprego para o homem, preso na terça-feira (15).
Dali, Fabiane foi presa em flagrante e responderá por estelionato, organização criminosa e falsa comunicação de crime. Em seguida, ela foi levada para a Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre. No dia seguinte, a juíza Carine Labres aceitou o pedido da polícia para conversão da detenção para preventiva.
No despacho, a magistrada salientou que apesar de Fabiane não apresentar antecedentes criminais "demonstrou ausência de consciência crítica da gravidade de sua conduta, frieza e premeditação contra seu próprio companheiro, movida pela ambição desmedida, tudo a denotar maior reprovabilidade de seu agir, observado seu desprezo pelo sentimento de solidariedade que deveria existir em relação ao seu companheiro".
Já no caso de Luan, a juíza argumentou que ele "revelou periculosidade elevada, pois teria orientado Fabiane, orquestrando com ela a prática dos delitos de estelionato, associação e comunicação falsa do crime, em total desprezo à legislação penal e autoridades policiais".
O que diz a defesa
Segundo a advogada Paolla Salomone de Oliveira, que representa Fabiane, a cliente ficou com medo de retaliações à família que mora às margens da RS-040, em Águas Claras. O pai dela tem 89 anos.
— As ameaças começaram no centro de umbanda após Luan saber que o marido dela era empresário — comenta a advogada.
Nesta quarta-feira (23), a advogada pediu a revogação da prisão dela pelo fato de ser ré primária, não oferecer risco à sociedade e ter endereço fixo e profissão definida. Paolla já teve acesso ao inquérito e agora está fazendo análise minuciosa do material para compôr a defesa.
Procurada, a família de Fabiane preferiu não se manifestar. A mãe dela, que não quis ser identificada, entende que a filha está sendo acusada injustamente. A reportagem também procurou o ex-companheiro dela, que não atendeu as ligações nem respondeu as mensagens.
GaúchaZH tenta localizar a defesa de Luan Haag.