Por trás de uma articulada rede de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, a Polícia Civil investiga ligações de uma facção criminosa com a política em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. Os principais investigados da Operação Consilium – que significa política em latim –, deflagrada nesta quarta-feira (12), são o vereador Emerson Fernando Lourenço, o Fernandinho, do Solidariedade, e o subsecretário de Obras Pedro André Arenhardt.
Há suspeita de que o vereador recebeu em sua campanha dinheiro do tráfico por intermédio de Arenhardt. Foram identificadas movimentações de dinheiro e outros negócios ligando os dois ao traficante Juliano Biron da Silva, líder de facção e que está no Presídio Federal de Mossoró. Entre 2012 e 2018, o grupo teria movimentado R$ 15 milhões.
Arenhardt seria um dos elos do vereador com os criminosos. Os negócios suspeitos envolveriam a compra e a venda de imóveis registrados em nomes de "laranjas", o uso de contas bancárias de empresas de transporte e de demolição de carros, além de transferências de dinheiro entre Biron e Arenhardt.
— O trabalho teve como foco verificar a tentativa de ingresso das facções, por meio de seus membros ou de indivíduos vinculados às mesmas, nos diversos setores da sociedade, entre eles, o relevante setor político. Depois de ocupar espaços para o tráfico, as facções buscam permear outros setores — diz o delegado Márcio Zachello, um dos responsáveis pela investigação.
Policiais cumpriram nesta quarta-feira 15 mandados de busca e apreensão em Novo Hamburgo. A Consilium é um desdobramento de investigações feitas pelo Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) desde 2016 e que atingiram a célula da facção comandada por Biron.
A investigação é da Delegacia de Repressão ao Crime de Lavagem de Dinheiro do Denarc, tendo utilizado um inquérito da 2ª Delegacia de Polícia de São Leopoldo, que já investigava o vereador por lavagem de dinheiro. O trabalho teve acompanhamento da Promotoria de Justiça de Combate à Lavagem de Dinheiro e Organização Criminosa.
Foram documentos apreendidos em outras operações que ajudaram a polícia a traçar o caminho do dinheiro do tráfico, reforçando as suspeitas em relação a Fernandinho e a Arenhardt.
Um dos indícios de ligação de Fernandinho com a facção é o fato de ele ser responsável por uma empresa de transportes que funciona no mesmo endereço que seria de um ponto de recolhimento de dinheiro de Biron – local que já foi alvo de operação policial. Também foi achado na casa do vereador, em buscas no ano passado, cheque emitido por um homem com antecedentes por tráfico e homicídio.
Um imóvel do parlamentar em Tramandaí, por exemplo, foi usado como parte do pagamento de uma casa de R$ 1,2 milhão que, segundo a polícia, pertence a Biron. O imóvel do traficante fica em um condomínio fechado em Cachoeirinha. O contrato de aquisição da casa no Litoral, em nome do vereador, foi apreendido em outra operação na residência de um homem apontado como sendo braço direito de Biron.
A apuração também revelou que o vereador seria responsável por controlar três empresas de transporte que estão em nome de familiares e da ex-mulher dele. Apesar de se beneficiar dos negócios, o parlamentar não os declara no imposto de renda, conforme a polícia apurou.
Em 2016, a mulher do vereador comprou uma casa em Imbé, no Litoral Norte, por R$ 550 mil, apesar de não ter renda declarada compatível com a transação. A investigação indicou que os pagamentos foram feitos por Fernandinho. A família não teria poder aquisitivo para fechar o negócio, segundo declarações feitas ao fisco.
Também chamou a atenção dos policiais o fato de o político usar diversos carros sem registra-los em seu nome, de acordo com a polícia, uma estratégia típica de lavagem de dinheiro. Foram identificados um Honda Fit, uma Toyota/RAV 4, um HB20, um Fiat Brava e um Santana.
Relacionado ao vereador, foi identificado Arenhardt, que teria sido indicado a um cargo em comissão da prefeitura de Novo Hamburgo justamente por Fernandinho. Conforme registro no site do município, ele está lotado na Secretaria de Obras Públicas e Serviços Urbanos e Viários no cargo de subsecretário leste, com salário de R$ 4,9 mil.
Arenhardt tem em seu nome uma empresa de peças e acessórios de carros que, conforme a investigação, está inativa. Apesar disso, a empresa movimentou em suas contas, em cinco anos, R$ 7 milhões. A partir de quebra de sigilos, a polícia descobriu que Biron fez transferências de dinheiro para Arenhardt, que também reverteu valores para o traficante.
Na campanha de 2016, Arenhardt doou R$ 6 mil para a campanha de Fernandinho. Acabou respondendo a processo no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) por ter feito doação superior ao limite de 10% de seu rendimento bruto.
A Consilium aponta ainda que Arenhardt teria adquirido três imóveis depois da aproximação com Biron: um terreno em Triunfo por R$ 20 mil, um apartamento em Campo Bom por R$ 149 mil e uma casa em Novo Hamburgo avaliada em R$ 240 mil.
Oito pessoas são investigadas, além de seis empresas. O vereador Fernandinho já foi indiciado em inquéritos por porte e posse ilegal de arma de fogo (foi preso ano passado durante operação policial), tráfico de drogas e jogos de azar. E responde a processo por tráfico de drogas.
Para o delegado Rodrigo Zucco, de São Leopoldo, a ação é um complemento à repressão que a polícia tem feito à facção de Biron, que também é suspeito de ter matado o fotógrafo José Gustavo Bertuol Gargioni, 22 anos, em Canoas.
Contrapontos
O que diz Pedro André Arenhardt:
GaúchaZH deixou recado na caixa postal do telefone dele, mas não obteve retorno.
O que diz Emerson Fernando Lourenço:
"Não tenho nada a temer, estou tranquilo. A polícia está no papel dela. Não tenho casa em meu nome em Tramandaí".