Katia Schultz Lopes Lacerda queria ser mãe e avó jovem para poder desfrutar da família. Dois meses após se casar, em São Gabriel, soube que estava grávida. Tornou-se mãe aos 17 anos. O nome do bebê, Paula, foi uma homenagem ao marido, Paulo, hoje falecido. Vinte e três anos depois, pensa que o tempo foi curto. Há sete meses, todos os domingos ela segue até o cemitério para visitar o túmulo da única menina entre os três filhos que teve. Quando retorna para casa, agarra-se ao neto, Benjamin, o Ben, para seguir em frente.
— A gente tem o Ben.
Era a frase que Paula Estefani Schultz Lopes Lacerda, 23 anos, repetia quando Katia a alertava sobre a possessividade do ex. A criança era a ligação que a mantinha atrelada a ele. Katia não se convencia. Temia que Paula pudesse sofrer alguma violência. Em março, ela foi assassinada enquanto ia para o trabalho.
Apenas uma quadra separava as casas de Paula e da mãe, onde a jovem deixava o filho todas as manhãs. Naquele dia, deixou o menino com o padrasto. Ao sair, alertou para que fechasse as janelas porque poderia chover. Katia não estava: acordara cedo para ir ao centro da cidade.
Segundo a Polícia Civil, o militar da reserva Rogério Biscaglia Righi, 32 anos, que está preso, perseguiu a ex-mulher por duas quadras em um Fiesta. Na Avenida Francisco Chagas, acelerou o carro na direção da jovem, que estava na calçada. Testemunhas relatam que ele saltou do veículo e cortou o pescoço dela. Righi foi detido por outro militar quando ainda estava com a faca na mão.
Quando o crime ocorreu, o casal, que havia vivido junto por dois anos, estava separado há dois meses. Após idas e vindas, Paulinha rompeu a relação. Recebeu apoio da família, que não concordava com os episódios frequentes de brigas e ciúmes.
— Ele não podia ver nada no telefone dela. Se alguém curtia uma foto em uma rede social, já era discussão — recorda Katia.
Apesar dos desentendimentos, Paulinha não registrou ocorrência contra o ex. Naquela fatídica segunda-feira, segundo uma amiga, pretendia procurar a polícia, porque o tom das ameaças aumentou.
— Disseram que ela gritava: "Tu não pensa no Ben?". O filho era tudo para ela. Ela ainda lutou. Tinha cortes nas mãos. A corrente que ela comprou com o nome do Ben, ele cortou — recorda Katia.
O avô de Paulinha, Rubem Araci Souza Lopes, 61 anos, sargento da Brigada Militar aposentado, ainda tenta entender o episódio. Ela planejava seguir a carreira de Rubem e se tornar policial militar.
Quando acontece com os outros a gente pensa: "Como uma mãe vai sobreviver a isso?". Eu não sei como. Penso que tenho de cuidar do filhinho dela, que ficou sem mãe e também sem pai
KATIA LACERDA
Mãe de Paula
— Nossa família está destruída. Nesses sete meses, a gente não conseguiu assimilar. Não entra na cabeça da gente como uma pessoa faz uma coisa tão brutal — emociona-se o avô da vítima.
Em poucos meses, Katia envelheceu mais do que nas últimas décadas. Os olhos entristeceram. Levanta todos os dias no mesmo horário em que costumava aguardar a chegada da filha com o neto. Estranha não ter a casa de Paulinha para arrumar e a companhia dela nos jantares do dia a dia.
— Quando acontece com os outros a gente pensa: "Como uma mãe vai sobreviver a isso?". Eu não sei como. Penso que tenho de cuidar do filhinho dela, que ficou sem mãe e também sem pai — descreve a avó.
No aniversário de dois anos, completados em 16 de outubro, o pequeno vestia uma camiseta com a fotografia da mãe. Quando vê alguma imagem dela, beija e chama por Paula. Entre as lembranças que Katia guarda da filha, está a correntinha dourada usada pela filha no dia de sua morte.
Num último gesto de afeto com a neta, Rubem levou a joia para o conserto. O cordão repousa agora dentro de um pequeno porta-joias que pertencia a Paulinha. Quando Benjamin crescer, será entregue a ele, numa esperança de que os bons momentos permaneçam na memória da família.
Contraponto:
Os advogados de Righi, Gustavo Teixeira Segala e Tiago Bataglin, se manifestaram por meio de nota enviada à reportagem:
A defesa entende que existe uma série de informações que são exclusivamente do processo e, em respeito a ele, não podemos revelar por meio da imprensa maiores detalhes do caso. Mas queremos adiantar a todos que não façam seu juízo sem conhecer os elementos que circundam o processo, pois, no momento certo, a defesa vai apresentar as provas e a população vai poder entender o real significado de não tomar nenhuma posição sem antes verificar tudo que existe nos autos do processo.
A defesa, se manifesta, pedindo que a população gabrielense, aguarde, porque vem por ai, um arcabouço de informações e fatos importantes que, podem mudar o que aparentemente parece ser um crime de feminicídio, bem como, o que está sendo ou já foi alardeado tanto pela polícia como pela família da vítima Paula Schultz Lopes Lacerda, pois são pessoas nesta fase processual, alheias a tudo o que foi produzido no processo. De modo que, suas posições, opiniões e informações podem estar dissociadas da realidade dos fatos.
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