A chacina com oito mortos – o maior número em assassinato múltiplo ocorrido no Estado neste século –, no final da noite de segunda- feira (18), em Viamão, é mais uma comprovação da nova tática utilizada pelos grupos criminosos que disputam territórios do tráfico na Região Metropolitana: invadem áreas dominadas pelos rivais e matam indiscriminadamente quem enxergam em torno do alvo.
Desta vez, em intervalo de meia hora, em quatro endereços próximos entre si, no bairro Vila Augusta, foram mortos quatro mulheres e quatro homens. Em um dos locais, quatro crianças e um cadeirante acabaram poupados.
O oitavo corpo, de um homem, foi localizado no final da manhã desta terça-feira (19) no final da Rua Cascavel, no Arroio Feijó – ele havia sido identificado e o nome não foi informado. À RBS TV, uma fonte na polícia confirmou que a vítima teria sido morta após apontar onde estavam os demais.
Essa foi a 14 ª chacina do ano na Região Metropolitana, com total de 50 vítimas. Desde que a editoria de Segurança dos jornais Zero Hora e Diário Gaúcho começou levantamento de homicídios, em 2011, o número também é recorde. Até então, no período, entre 1 º de janeiro e 18 de junho, a maior incidência havia ocorrido no ano passado, com nove casos e 31 mortes.
Os dados comprovam que o uso da tática vem crescendo. Em Viamão, essa é a terceira chacina de 2018, em intervalo de 74 dias. Com as oito de segunda- feira, já são 14 vítimas desse tipo de crime, no ano.
Antes mesmo da situação atual, o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no ano passado, apontava o Rio Grande do Sul com o segundo Estado do país com maior registro de homicídios múltiplos, atrás apenas do Rio de Janeiro.
Na última sexta- feira, foi divulgado o Atlas da Violência, com dados de 2016, que coloca o município como o 21° mais violento do país e líder no ranking de homicídios por 100 mil habitantes no RS.
O diretor de investigações do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa ( DHPP), delegado Gabriel Bicca, avalia a situação como evolução do crime e retrocesso em termos de sociedade: – Antes, o autor matava um desafeto, em personificação da inimizade.
Depois, passou a ser questão de disputa entre grupos, com a morte dos integrantes do bando rival.
Agora, parece ser regional: quem estiver naquela área dominada pelo grupo inimigo está correndo riscos, independentemente de estar envolvido ou não – avalia.
Bicca cita como exemplo a chacina ocorrida no dia 4 de junho no bairro Rubem Berta, em Porto Alegre, quando três pessoas foram mortas e outras duas ficaram feridas, quando grupo de encapuzados invadiu a tiros um beco que concentrava usuários de drogas, possivelmente confundindo o local com ponto de tráfico.
– Vídeos, áudios compartilhados e conversas informais mostram que as invasões ocorreram sem muitos critérios. Por exemplo: lá é área dos rivais. Se a boca de fumo funciona em uma casa, quem estiver lá e nas proximidades estará sujeito a ser morto, pois não há alvos específicos. É tudo meio aleatório – explica.
"Beira a covardia, diz delegado"
Com isso, aumentam os riscos para pessoas sem antecedentes e sem envolvimento com o tráfico. De acordo com o delegado, em algumas comunidades, jovens, principalmente, estão sendo orientados e fugirem de alguns estereótipos:
– Bonés, camisetas de times de futebol e bermudas largas em áreas dominadas por rivais estão ficando perigosas. É complicada essa maneira de atuar. Beira a covardia. Matam sem enfrentamento.
Para o sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, especialista em segurança pública da PUCRS, a situação resulta da falta de política efetiva de segurança pública.
– Estamos vivendo cada vez mais a produção da cultura da violência, como consequência da política criminal das drogas e de encarceramento em massa que, como efeito colateral, produz grupos cada vez mais violentos. Para manter e ampliar seus limites, esses grupos acabam eliminando sem limites. E não há mecanismo de contenção para lidar – afirma.
Para o sociólogo, o processo resulta de omissões que, em sua análise, já duram mais de quatro décadas:
– São consequências das políticas de segurança desde o período militar. Não se pensa em gestão da segurança pública.