Com medo de represálias pelo crime do filho, a mãe de Diego Anderson Fontoura, 29 anos, decidiu se mudar temporariamente da residência da família, no bairro Tancredo Neves, em Santa Maria, para a casa de parentes. Após invadir um apartamento e matar pai e filho a tiros, o rapaz foi sepultado às pressas, sem velório.
— É uma tragédia para duas famílias — limitou-se a dizer, por telefone.
O pai, Floriano Fontoura, conversou com a reportagem na manhã de sexta-feira. Fez críticas ao "ódio incentivado pela imprensa em Santa Maria":
— Nem velório pude fazer. Tive de enterrar meu filho escondido em uma cidade vizinha. Isso a imprensa não mostra.
Espírita, Fontoura trabalha há quase uma década como voluntário na recuperação de jovens dependentes químicos na Fazenda Chico Xavier, em São Borja, onde mora há 12 anos.
— Ninguém sabe que tem uma família honesta por trás, ninguém sabe que tem outros filhos maravilhosos que são irmãos dele, que são estudantes, trabalhadores, que tem um pai com dignidade, que lutou a vida inteira pelos filhos, que salvou várias famílias da situação que eu mesmo vivi — afirmou.
Do Natal de 2017 em Santa Maria, a última vez que viu Diego com vida, recordou:
— Ele estava bem. Havia meses que cuidava da família, tatuava, com dois filhinhos e a mulher, em Palhoça. Teve uma recaída brutal. Veio e passou sei lá quantos dias se drogando para chegar ao surto e a overdose que levou ao que aconteceu.
Por fim, pediu a divulgação de um apelo:
— Frisa que a droga é uma epidemia mundial. Por trás dessas criaturinhas (dependentes químicos) há pessoas trabalhando para ajudá-las. Famílias honestas. Não são bandidos. Fazem de tudo para salvar seus filhos. Sou profissional da área de administração, estou à frente de um grande hospital, tenho vários cursos de pós-graduação, estou fazendo mestrado. Não sou marginal nem um vagabundo que botou arma na mão de um filho.
Enquanto aguarda laudos toxicológicos que poderão apontar a causa do suposto surto psicótico de Diego a Polícia Civil começou a ouvir os envolvidos. Mateus Mendes, filho de Gilberto e irmão de Gabriel, os dois mortos por Diego, prestou depoimento na quarta-feira. A mãe do atirador também foi chamada.
A polícia aguarda ainda a perícia na pistola 9mm usada no crime. A mulher de Gilberto, Vera Lúcia Gonçalves, que foi baleada no rosto e deixou o hospital na sexta-feira, também será ouvida nos próximos dias.
Natal em família
Sessenta e nove dias antes de invadir um apartamento e matar duas pessoas, Diego passou o Natal de 2017 com a família em Santa Maria. Tomou banho com os filhos pequenos na piscina de plástico instalada na frente da casa da mãe, em uma rua de paralelepípedo do bairro Tancredo Neves, comunidade de 11,4 mil moradores delimitada pelas rodovias BR-287 e BR-158, na periferia da cidade. Tatuador, Diego aprimorara a técnica em Santa Catarina, para onde havia se mudado meses antes:
— Cada vez melhor, hein? Parabéns — disse uma amiga ao ver as fotos dos trabalhos, com imagens de flores, laços cor de rosa e uma das obras-primas, um grande leão tatuado no ombro e braço direito de um amigo.
— Tá se puxando hein, filho? Muito bom trabalho — entusiasmou-se o pai, Floriano Silva Fontoura.
Ele e a mãe de Diego estão separados há mais de 12 anos. Fontoura havia se mudado para São Borja, onde trabalha como administrador. Ela, funcionária de uma farmácia em Santa Maria, tinha nova família.
Histórico policial
No feriado de 12 de outubro de 2016, Diego pilotava uma motocicleta com um amigo quando furou uma blitz da Brigada Militar (BM). Houve perseguição. Os dois caíram do veículo na Vila Maringá. Diego foi autuado por direção perigosa e por ter reagido à abordagem dos policiais.
Descrito como um jovem alegre e "cheio de vida" pelos vizinhos do bairro Tancredo Neves, Diego cresceu com outros quatro irmãos – um deles é hoje policial militar em Porto Alegre.
Moradores da região lembram do garoto jogando futebol e taco na rua no tempo em que o bairro, então com poucas casas, se chamava Cohab Passo da Ferreira.
Diego concluiu o Ensino Fundamental na Escola Estadual Tancredo Neves. Depois, foi para a escola Estadual Devanier Paulo Lauda, antigo Ciep.
— Foi lá que ele começou a apresentar problemas, a mudar o jeito de ser. A ficar mais no canto dele. Mais fechado — conta outra vizinha.
As ocorrências policiais começaram em 2011, quando Diego foi autuado por dirigir sem habilitação. No ano seguinte, foi detido por posse de drogas. Em 2014, fugiu do local de um acidente de trânsito. Em 22 de junho de 2015, foi preso pela primeira vez, por receptação. Foi detido com uma jaqueta, dois relógios, dois óculos de sol e outros pertences de uma vítima de assalto. Na investigação, a polícia concluiu que ele não apenas ficara com os produtos como também havia participado do roubo com outros três comparsas. O grupo invadira uma residência no bairro Cerrito e mantivera vítimas em cárcere sob ameaça.
De SC, a volta para Santa Maria
Diego ficou apenas um dia na Penitenciária Estadual de Santa Maria. Voltaria à cadeia em 16 de abril de 2016, por tráfico de drogas. No carro em que estava, foram encontradas 21 pedras de crack. Cinco meses depois, ao sair da prisão por ordem judicial, mudou-se para Santa Catarina por insistência dos pais.
— A gente tirou ele daqui, daquela região de Santa Maria, por causa dos companheiros que tinha — conta o pai.
Em Palhoça, na Grande Florianópolis, Diego morava com a mulher e os dois filhos pequenos. Foi quando começou a exibir no Facebook seus trabalhos como tatuador.
"Mas bah, tchê, que talento massa, Dieguito", comentou um admirador. "Virtudes e habilidade não se compram no mercado. Muito bonito. Parabéns.", postou outro. Em 24 de novembro do ano passado, o pai escreveu: "Aí filho, tá cada vez melhor, se aprimorando hein?"
Por algum motivo, que não se sabe até o momento, Diego regressou a Santa Maria, aparecendo na casa da mãe na quarta-feira, 28 de fevereiro. Logo, sumiu, supostamente sem dar explicações.