Em meio a falta de respostas, julgamentos, dúvidas e sentimento de culpa, os familiares de Naiara Soares Gomes tentam encontrar conforto e mantêm firme a esperança de reencontrar a criança, de sete anos, desaparecida há mais de uma semana em Caxias do Sul.
Desde o desaparecimento da menina, quatro primas e a tia, que assumiu a guarda de Naiara quando ela tinha quatro anos, organizam grupos de buscas e distribuem panfletos e cartazes pelas ruas da cidade da Serra. No sábado, o grupo tentou organizar uma caminhada, mas teve pouca adesão.
Neste domingo, 13 pessoas, entre parentes, amigos e desconhecidos que se solidarizaram pela causa, espalharam panfletos e promoveram ações de procura em matagais da Terceira Légua, área rural perto do bairro Esplanada. O trabalho também foi realizado em Fazenda Souza.
As buscas se iniciaram no início da tarde e se estenderam até a noite. Entre os voluntários que não possuíam vínculos familiares, o sentimento era o mesmo:
— Desde que fiquei sabendo (do caso), fui atrás para ajudar. Todos os dias, quando paro de trabalhar às 19h, saio às ruas entregando panfletos. Sou mãe, sei como isso é desesperador e sei que, além da Naiara, precisamos encontrar a pessoa que fez isso, para que não faça de novo com outras crianças — diz a motorista Claudia Varela.
Três primas de Naiara, que se dizem praticamente irmãs por terem acompanhado a criação da menina em Caxias, participam ativamente das buscas. No bairro, vizinhos compartilham a aflição, questionam a falta de respostas e defendem a família da menina.
— Ela era muito comunicativa. Infelizmente, se você oferecesse uma bala, podia conquistar ela. Era muito querida. A família dela sempre foi muito atenciosa e nós mesmos, os vizinhos, sempre cuidamos das crianças uns dos outros — relatou uma das vizinhas que preferiu não se identificar à reportagem.
Em depoimento ao jornal Pioneiro, uma das primas de Naiara, Renata Aparecida Gomes, e a tia, Maria de Lourdes Gomes, relataram o desespero que sentem a cada notícia falsa, mas também o otimismo que ainda prevalece mesmo com o decorrer dos dias.
Dez dias depois, ainda há esperança?
Renata Aparecida Gomes: Claro. Ela com certeza está bem, deve estar escondida em algum lugar e vai aparecer com vida sim. Nós fazemos essas buscas no meio do mato esperando não encontrá-la. Eu quero achar ela escondida, não no mato. Mas isso que fazemos já ajuda muito a eliminarmos as possibilidades.
Maria de Lourdes Gomes: A esperança é a última que morre, como diz o ditado. Temos esperança de achar ela bem e estamos confiando na polícia. Infelizmente, nós mesmos podemos fazer pouca coisa e nos limitamos a ajudar a procurar. Mas desde o primeiro dia, as pessoas estão nos ajudando muito. Por outro lado, tem bastante boato.
Como é para vocês receber essas notícias falsas?
Renata: Sábado, eu chorei muito quando disseram que acharam um corpo no (bairro) São Caetano. As pessoas que espalham esses boatos não têm noção do mal que causam. A mochila foi a mesma coisa, e parece que todo mundo está largando mochila nas esquinas. Já acharam umas cinco mochilas desde que ela desapareceu. Não entendo porque alguém faria esse tipo de coisa.
Maria: Entrei em desespero quando falaram que acharam o corpo no São Caetano. E bem na hora que eu saí para fora da casa, a polícia estava passando. Foi uma sensação terrível. Eu não desejaria isso para ninguém.
Como vocês assimilam os julgamentos e as críticas?
Renata: Volta e meia acompanho, mas nem respondo. Só olho os comentários. Essas pessoas estão erradas em julgar uma família que não conhecem. Se fosse uma outra família e acontecesse do mesmo jeito, não julgariam dessa forma. Muita gente critica também o porquê de não estarmos todos da nossa família nas buscas. Mas, juntas, temos que criar 11 crianças. Como vamos deixar essas 11 crianças sozinhas?
Maria: Muita gente critica, mas eu acho que eu também criticaria porque tenho minha parcela de culpa por mandar ela com um rapaz de 15 anos (o neto de Maria de Lourdes é primo de Naiara e quem levava a menina para a escola). No fundo, ninguém sabe o que a gente passa. Ganho R$ 400 de pensão para cuidar das três crianças. Não tenho benefício financeiro com isso, tanto que tive que deixar de pagar van porque não tinha condições, precisei gastar com material escolar para cinco crianças. Só a van custava R$ 500. E isso me dói até agora, sentir que fui culpada por isso de certa forma. Muitas crianças vão a pé para o colégio, jamais imaginei que isso pudesse acontecer, mas entendo que me culpem um pouco por isso.
Como os irmãos de Naiara (uma menina de 10 e um menino de oito) e o primo lidam com essa situação?
Renata: A irmã estava meio confusa porque as pessoas confundiam ela no caminho, atacavam ela, pegavam pelo braço, pois ela é muito parecida com a Naiara. O primo não está indo, pois ele está sofrendo muita retaliação, porque as pessoas acusam ele de ser culpado. Aí ele fica com medo.
Maria: O irmão da Naiara chora muito. Eu procuro não falar muito perto deles sobre o que está acontecendo. Já o primo da Naiara (filho de Maria de Lourdes), o próprio delegado orientou que ele não saísse de casa até acharem ela.
Como era a vida de Naiara antes da adoção?
Maria: Ela morava com os pais dela em Vacaria. Sempre tive pouco contato com meu irmão (pai de Naiara). Com menos de dois anos, a Naiara foi mandada para um lar de adoção. Aí então, descobriram que havia um outro vínculo familiar e me ligaram pedindo se eu não tinha interesse em adotar uma das três crianças. Falei que só adotaria se fosse as três, porque não queria deixar os outros esperando adoção. Eles permitiram. Admito que minha família tem seus problemas, mas a da Naiara era bem problemática.
Você acha que alguma questão familiar pode ter causado o desaparecimento?
Maria: Eu acho que não. Até no início pensei que isso poderia ter acontecido como forma de vingança por algo que ela (a mãe de Naiara) teria feito, mas segundo uma familiar, é bem provável que não. Já a avó não mostrou interesse em cuidar dela em momento algum.
E como foi a criação de Naiara e a adaptação dela na família?
Renata: A Naiara era como uma irmã e também como uma filha. Amamentei ela, pois há uma diferença de 14 dias entre ela e minha filha. Sempre nos demos bem, foi convivência de irmãs, tínhamos nossas briguinhas, nossos carinhos. Ela é esperta, educada, estudiosa. Não brincava com boneca, era quebra-cabeça ou estava sempre mexendo no caderno. Tinha o universo dela.
Maria: Eu sabia que teria dificuldades em criar mais essas três crianças, mas aceitei a responsabilidade. Quando peguei as crianças em Vacaria, o Conselho Tutelar me garantiu que eu chegaria aqui e eles me arranjariam colégio e van. Mas quando vim, a coisa foi totalmente diferente: não tinha nada. Não reclamo porque assumi isso e não tinha nada que estar discutindo, mas eles prometeram um monte de coisas e não fizeram nada. Mas tudo bem porque estava tudo dando certo até aquela sexta-feira.
A procura se mantém nos próximos dias?
Renata: Com certeza. Pessoas maravilhosas estão nos ajudando e vindo de todos os lugares. Vamos achar ela. Na pior das hipóteses, eu ainda acho que ela não foi pega por uma pessoa má, essa é a nossa esperança. Ela é só um bebê, não é possível que alguém tenha coragem de machucar ela. Ou talvez que alguém pegou ela e levou embora ou para longe de nós e esteja cuidado dela e esperando isso passar. Tudo bem, contanto que ela esteja bem.
Maria: A gente vai encontrar ela sim. Durante o dia essa sensação até que passa, mas quando começa a escurecer, é desesperador.