Uma missão de resgate de presos que acabou abortada. Essa é a principal hipótese considerada pelos investigadores do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) que desde a tarde de sábado tentam descobrir quem foram os autores do ousado roubo do helicóptero de uma empresa de táxi aéreo de Canela, na Serra, depois de renderem o piloto. Seria o segundo plano de extrema ousadia de criminosos para tramar fugas das prisões gaúchas, descoberta apenas um mês e meio depois do túnel escavado por ordem de uma facção criminosa ao lado do Presídio Central.
A aeronave modelo Bell Jet Ranger foi encontrada pelo Batalhão de Aviação, da Brigada Militar, durante buscas ainda na tarde de sábado, em um sítio de Triunfo. E o que foi encontrado dentro do helicóptero reforça a suspeita da polícia.
– Havia cordas, duas cintas capazes de aguentar, somadas, até 150kg, e ainda duas chapas metálicas que simulariam um colete à prova de balas – relata o delegado Joel Wagner, que comanda a investigação pela Delegacia de Roubos.
Leia mais:
Criminosos roubam helicóptero de empresa de táxi aéreo
Renato Dorneles: aeronaves já foram usadas em fugas antes
Polícia divulga imagens de suspeito de roubar helicóptero
As duas portas da aeronave já haviam sido arrancadas. Poderia ser uma adaptação, justamente para que possíveis resgatados conseguissem embarcar no ar, ou ainda a transformação da aeronave em uma plataforma de tiro contra eventuais resistências à ação criminosa.
O local para onde o helicóptero foi levado é estratégico. Triunfo é separada de Charqueadas, onde ficam a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e a Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), apenas pelo Rio Jacuí. E sábado é o dia de visitas nas cadeias. Com este agravante, dificilmente haveria um confronto armado com a guarda de qualquer um dos presídios.
A polícia agora apura quem orquestrou o roubo do helicóptero e seria resgatado da cadeia. De acordo com o delegado Joel Wagner, ainda está sendo apurada a propriedade do sítio para onde o helicóptero foi levado, e pode ser uma pista importante para se chegar aos cabeças deste plano. Não é descartada alguma relação com a mesma facção que comandou o túnel no Presídio Central.
Outro mistério na investigação até o momento é o que levou os criminosos a abortarem a ação e abandonarem o helicóptero no sítio onde foi recuperado.
A suspeita do delegado é de que o piloto só foi libertado no momento em que os criminosos desistiram do plano. Ele havia conduzido um homem de Canela até uma propriedade rural de Triunfo, onde pousaram por volta das 11h30min. No momento em que a aeronave parou no solo, teria sido anunciado o roubo. Logo, dois homens armados com fuzis teriam entrado na aeronave e o piloto passou a ser perguntado por um terceiro criminoso, que a polícia suspeita, seja o piloto que levaria o helicóptero a partir daquele momento.
– Pelo relato do piloto, foram feitas diversas perguntas técnicas sobre a autonomia de voo daquela aeronave, a capacidade de carga e as forma de comunicação e rastreamento dela. Depois, o deixaram trancado em uma peça da casa – diz o delegado.
No começo da tarde, o comandante foi abandonado pelos criminosos na Vila Dique, no Bairro Sarandi, na zona norte de Porto Alegre. Um grupo o teria levado em três carros. A polícia apura se eram um Civic, um Corolla e uma Spin. Só então foram iniciadas as buscas ao helicóptero.
Leia mais
Criminosos pagaram R$ 5 mil por voo de helicóptero que seria "presente de 30 anos de casados"
Piloto poderia ser usado como escudo em fuga de presídio
A Polícia Civil dá como certo que o helicóptero roubado numa ousada ação na tarde de sábado em Canela seria usado para uma ação mais impressionante ainda, o resgate de um líder de uma facção preso em Charqueadas. Não se sabe ainda quem.
Por que Charqueadas? Porque os bandidos obrigaram o piloto do helicóptero, um Bell Jet Ranger com capacidade para quatro passageiros e um tripulante, a seguir para Triunfo, cidade que fica em frente a Charqueadas. Basta atravessar o Rio Jacuí para se ter acesso ao maior complexo penitenciário do Rio Grande do Sul, com quatro grandes presídios - e onde ficam enclausurados os cabeças do crime organizado no Estado.
Até para os padrões desesperados da "Vida Loka" (gíria usada pelos ladrões para definir seu estilo), usar um helicóptero para resgatar um bandido de dentro de um presídio é um ato com potencial suicida. Isso porque a guarda da prisão pode atirar - se os ocupantes da aeronave estiverem armados, se representarem qualquer ameaça ou se simplesmente o policial da guarnição acreditar que está ameaçado.
É nesse contexto que o papel do piloto seria vital, pondera um experiente policial civil ouvido por Zero Hora. O aviador seria usado como escudo. No caso, o piloto poderia mesmo ser refém (como alega ter sido o comandante do Bell roubado sábado) ou então a facção criminosa poderia usar outro piloto, contratado, para fazer o resgate. Fosse qual fosse a estratégia adotada - extorsão ou aluguel da mão de obra especializada - os bandidos têm razão ao imaginar que os PMs que guarnecem o presídio não atirariam. São orientados a não disparar, em caso de dúvida sobre presença de inocentes num veículo (aéreo ou terrestre).
Outra possibilidade é que os bandidos usassem uma tática diversionista. Poderiam explodir ou atacar a tiros uma guarita de um dos lados do presídio. Os guardas todos correriam para aquele lado - e o helicóptero poderia pairar sobre o outro lado da penitenciária, resgatando o líder criminoso.
Os policiais que investigam o caso consideram certo que o helicóptero não pousaria no presídio. Ele apenas pairaria sobre o pátio. Como sabem disso? Porque na aeronave, abandonada em Triunfo, foi encontrada uma fita de carga engatada, pronta para a decolagem de voo com carga externa. A capacidade dela é de 150 kg (equivalente a duas pessoas). Isso significa que planejavam pendurar algo no voo (possivelmente, o chefe criminoso a ser resgatado). Foi dessa maneira que o líder do Comando Vermelho (CV) carioca José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, foi libertado em 1985 do presídio da Ilha Grande (RJ): pendurado numa escada de cordas.