Marta Brenner Machado (*)
As doenças inflamatórias intestinais (DIIs), representadas sobretudo pela retocolite ulcerativa e pela doença de Crohn, são condições inflamatórias crônicas, até o momento incuráveis. Têm um caráter recidivante, caracterizado por períodos de crise e acalmia, e exibem quadros clínicos muito variados. Inúmeros sintomas podem estar presentes, e os mais frequentes são dor abdominal, diarreias frequentes, sangramento retal, fadiga, febre e dor articular. Estes sintomas são inespecíficos, ou seja, várias doenças podem apresentá-los. Campanhas de conscientização, como a do Maio Roxo, da Associação Brasileira de Colite e Doença de Crohn (ABCD), buscam comunicar sobre a vida dos pacientes com DIIs.
As DIIs fazem parte do dia a dia de mais de 10 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, a prevalência varia de 12 a 55 pessoas para cada 100 mil habitantes, na sua maioria jovens, no auge da fase mais produtiva. Estas doenças têm causa multifatorial (componente genético, ambiental, microbiota intestinal, entre outros), e, por alguma razão, há ativação progressiva da inflamação que atinge o aparelho digestivo. Podem ser afetados outros locais, como articulações, pele, olhos e fígado, para citar alguns.
Normalmente, os primeiros sintomas são as mudanças no hábito intestinal, dores abdominais e diarreia persistente com sangue e muco ocasional. Nas primeiras crises, é comum o paciente buscar o pronto-socorro e, por serem comuns e inespecíficos, os sintomas muitas vezes são confundidos com gastroenterites ou até alergias alimentares, o que pode retardar o diagnóstico. Em média, o atraso no diagnóstico é de cinco anos.
A longa jornada do paciente também é marcada pelo estigma. Sentimentos como vergonha, ansiedade e medo também podem causar a desinformação e o crescente isolamento, atrapalhando o tratamento. Se você tem urgência para ir ao banheiro, não deveria existir a obrigação de explicar.
O diagnóstico é realizado por profissional treinado e é basicamente confirmado por colonoscopia, mas outros exames também serão parte deste cenário, como endoscopia digestiva alta, retossigmoidoscopia e estudo endoscópico do intestino delgado, provas de laboratório, raio X, tomografia e ressonância, além de biópsia de material coletado durante a colonoscopia. É lógico que todo o arsenal diagnóstico nem sempre é disponibilizado nos locais de atendimento, então é importante que no mínimo sejam conhecidos os centros de referência que possam dar suporte às localidades mais solitárias, e aos colegas que necessitem de ajuda para bem indicar os exames e evitar custos e riscos desnecessários.
Sem o tratamento adequado, as crises persistem e os sintomas podem se intensificar. Só após o início do planejamento do manejo terapêutico é que será possível controlar sintomas, acompanhar o tratamento e cuidar do paciente. O início do tratamento chama-se de indução: o foco é retirar o paciente da crise e preparar para a entrada no segundo momento, em geral três meses depois, a remissão. Dizemos que a “indução da remissão” está acontecendo quando a crise passa. É fundamental a persistência e adesão ao manejo instituído. O médico irá conversar sobre esse horizonte de aderência, e o ideal é que haja uma equipe composta de nutricionistas, enfermeiros, fisioterapeutas e a própria família, treinados para acompanhar o paciente.
A longa jornada do paciente também é marcada pelo estigma. Sentimentos como vergonha, ansiedade e medo também podem causar a desinformação e o crescente isolamento, atrapalhando o tratamento. Se você tem urgência para ir ao banheiro e as outras pessoas não compreendem isso, não deveria existir a obrigação de explicar, seja em ambiente de trabalho ou em outros ecossistemas sociais. Por conta do desconhecimento, há uma intervenção social direta na intimidade dos pacientes, especialmente quanto às urgências, tanto as evacuatórias como as de natureza emocional, ademais, frequentemente negligenciadas.
Os tratamentos são diversos, conforme as características do paciente e a gravidade de sua doença. Há opções de alguns comprimidos, enemas (que são lavagens com medicamentos), supositórios, injeções, infusões até cirurgias. O que define uma ou outra abordagem é o mosaico de sinais e sintomas, e os exames complementares que cada paciente traz consigo, como se fossem suas credenciais de tratamento. É fundamental lembrar que mesmo com exames ou tratamentos parecidos, cada paciente tem o seu histórico, então a sua intimidade deve ser tratada particularmente.
(*) Médica gastroenterologista e presidente da ABCD. Site: abcd.org.br