A corrida frenética para conter a pandemia de coronavírus acaba de ganhar mais dois componentes de esperança. Nos últimos dias, as farmacêuticas Merck, Sharp & Dohme (MSD), em parceria com a Ridgeback Biotherapeutics, e Pfizer anunciaram resultados animadores nos estudos de pílulas para conter o agravamento da doença, a internação e os óbitos. Aliados às vacinas — protagonistas na batalha contra o sars-cov-2 —, os comprimidos molnupiravir e paxlovid se apresentam como valiosos complementos para frear as perdas da maior crise sanitária do século.
A grande vantagem, em ambas as terapias, é a administração por via oral, em casa, por cinco dias, dispensando o monitoramento hospitalar, necessário para as medicações disponíveis até agora, que são injetáveis ou intravenosas, aplicadas em pacientes com quadros mais avançados da infecção. O Reino Unido foi o primeiro país do mundo a aprovar o molnupiravir, da MSD, em 4 de novembro — os resultados dos estudos apontam redução de 50% no risco de internação e morte. No dia seguinte, a Pfizer anunciou que o paxlovid diminuiu em 89% o risco dos mesmos fatores.
Ambas as pílulas antivirais atuam de forma semelhante, interrompendo a replicação do vírus no organismo. As duas pesquisas contam com participação de centros pelo Brasil e também no Rio Grande do Sul (em Porto Alegre, Bento Gonçalves e Ijuí).
Nicole Alberti Golin, infectologista e investigadora principal no estudo do molnupiravir no Instituto Tacchini de Pesquisa em Saúde, ligado ao Hospital Tacchini, de Bento Gonçalves, coordenou as atividades de fase 2 (definição da dose) e 3 (administração de medicação ou placebo aos participantes). A médica explica que o tratamento, a ser iniciado em até cinco dias após o início dos sintomas de covid-19, prevê um comprimido duas vezes ao dia ao longo de cinco dias.
— É para os casos não graves, para os pacientes nem chegarem ao hospital e não correrem tanto risco — detalha Nicole.
No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o infectologista Eduardo Sprinz lidera o recrutamento e a condução de três experimentos com o paxlovid, da Pfizer: com pacientes de alto risco, pacientes de risco padrão e para profilaxia pós-exposição, ou seja, a tentativa de prevenir a infecção em quem teve contato com uma pessoa com diagnóstico positivo de covid. As conclusões divulgadas recentemente pelo laboratório são referentes ao estudo do primeiro grupo, com participantes mais vulneráveis e de maior risco para complicações. Além de dois comprimidos de paxlovid de 12 em 12 horas, os pacientes recebem também um comprimido de ritonavir, que impulsiona a ação do composto em estudo.
— O ritonavir está desde 1995 no mercado. Inicialmente, era para tratar o HIV, só que se perpetuou muito mais como um medicamento que torna as outras substâncias mais robustas. Na dose que está sendo administrada, faz uma “escadinha” para a substância em estudo — relata Sprinz.
Para o médico, o que mais chama a atenção nesta pesquisa é o fato de o paxlovid ter sido o primeiro medicamento desenvolvido especificamente contra o coronavírus.
— O da MSD já existia antes para tentar tratar outras infecções virais. Este (paxlovid) é contra uma enzina, chamada protease, essencial para o coronavírus se multiplicar. Essa enzima é fundamental para que o vírus amadureça. Ao amadurecer, ele garante a capacidade de replicação. A inibição dessa enzima faz com que o vírus não se replique — informa o infectologista.
A expectativa dos pesquisadores é de que o processo de aprovação dos medicamentos por agências reguladoras internacionais de referência seja célere, uma vez que o interesse, assim como pelas vacinas, é mundial.
— Vejo isso para um futuro muito próximo. A vacina continua sendo a arma número um. Quando se tem vacina mais tratamento efetivo, metade do caminho está andado — comenta o médico do HCPA.
Nicole destaca o alívio que um tratamento domiciliar propiciará ao sistema de saúde e aos profissionais da linha de frente, levados ao limite — e para além dele — nos pontos mais dramáticos da pandemia.
— De todas as evoluções que já vi de combate a agentes infecciosos, o nível de evolução que tivemos contra a covid é sem parâmetros. Em pouco tempo, tivemos a vacina e, em paralelo, temos um sinal real de que, até o final do ano, haverá um tratamento. Entramos naquele divisor de águas: a covid passa a ser uma doença tratável. É uma doença prevenível, por medidas comportamentais e pela vacina, e agora falamos de um tratamento eficaz para a fase inicial. Acho que ter a possibilidade de tratamento em larga escala para quadros leves, e que pode ser um tratamento preventivo para familiares e contactantes do domicílio, é um fechamento de ouro — reflete a infectologista do Hospital Tacchini.