Ao entrarmos no mês de setembro, acende-se o sinal amarelo para que se fale, de forma preventiva, sobre o suicídio. Isso se torna ainda mais importante dentro de um contexto em que o Brasil é um dos países americanos mais impactados pela pandemia em relação à saúde mental, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho deste ano, registrou 12.895 suicídios no Brasil em 2020. No Rio Grande do Sul, foram 1.383 casos, uma alta de 7,6% na comparação com 2019. Foi o terceiro Estado com mais registros.
A campanha Setembro Amarelo, uma iniciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) instituída em 2015, vem para reforçar o que afirma Vitor Calegaro, psiquiatra e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM): o comportamento ou o ato suicida em si podem ser evitados. O especialista ressalta que ambos são um problema de saúde pública e que precisam ser prevenidos:
— Todo comportamento ou ato suicida tem origem em transtornos mentais, é um mito achar que isso é livre arbítrio. Na verdade, eles acontecem porque a pessoa está passando por um transtorno mental tão grande, uma dor, um sofrimento tão insuportáveis, que ela não vê solução para aquilo. Contudo, se ela estivesse com um diagnóstico feito e em tratamento, isso não estaria acontecendo.
Calegaro pontua que principalmente pessoas com depressão, mas também aquelas com bipolaridade e as que abusam do álcool (que age como depressor do sistema nervoso central) são as que mais têm tendências a apresentar comportamento ou intenção suicida.
Os quatro D's
Para dar um passo adiante no enfrentamento do suicídio, é preciso desestigmatizar o tema e saber reconhecer quando o outro está em sofrimento — para que ele saiba que pode obter ajuda. Samantha Sittart, especialista em psicoterapia psicanalítica, membro do Grupo de Pesquisa Envelhecimento e Saúde Mental (GPESM), diz que dificilmente a pessoa reconhece sinais dados por ela mesmo. A rede de apoio — familiares e amigos — precisa estar atenta:
— Temos de avaliar quatro sentimentos fundamentais, os quatro D’s: depressão, desespero, desesperança e desamparo. Também é importante saber o que não fazer. Não podemos minimizar a dor do outro, porque nunca sentiremos da mesma forma, já que cada ser humano tem suas crenças, sua estrutura psíquica de acordo com as suas vivências. É preciso levar a assunto a sério, sim, verificar o grau de risco que essa pessoa se encontra e procurar ajuda o quanto antes.
É preciso considerar, por exemplo, se a pessoa já tinha um histórico de vida ou de familiares com transtorno mental, se ela teve perdas recentes – morte de alguém, separação, demissão. Se passou por situações traumáticas no passado — como bullying — ou no presente, se apresenta ansiedade, irritabilidade, apatia ou aumento do uso de álcool e outras drogas.
O desespero é quando a pessoa não consegue enxergar uma saída para o problema. Ela perde a capacidade de raciocínio, de consciência, em razão da dor psíquica que sente, assinala Samantha. Na desesperança, ela prossegue, o indivíduo não vê razão, não vê sentido na vida. E aquele que não tem uma rede de apoio acaba se sentindo desamparado.
Outro ponto que requer atenção são as melhoras súbitas. Caso a pessoa esteja deprimida e, de repente, melhore, convém ficar alerta. O transtorno da depressão apresenta uma curva mais lenta e gradual de melhora. A recuperação súbita pode significar que, na ambivalência da decisão, a intenção de cometer o suicídio tenha prevalecido e isso, segundo os especialistas, tranquiliza o indivíduo, pelo entendimento de que seu sofrimento terá fim.
Como falar sobre o tema
Segundo dados da OMS, entre pensar, planejar e executar o ato suicida leva-se seis meses em média. Os especialistas ouvidos por ZH sustentam que falar sobre o assunto pode fazer com que a pessoa se sinta acolhida, desde que haja cuidados e a escuta seja aberta e sem julgamentos, diz o psiquiatra Vitor Calegaro:
— A pessoa nesta situação já se reconhece como incapaz. Muitos familiares, por estigma, acham que ela é fraca, que não se ajuda. Isso é o pior que se pode dizer para uma pessoa que está enfrentando um quadro difícil como esse. Ter essa conversa não é fácil e não se pode fazer questionamentos diretos, o bom é começar perguntando como a pessoa está se sentindo para, a partir daí, entender o que realmente está se passando para ajudar, se mostrar disponível a ficar por perto, a marcar um médico, a acompanhar até o consultório se for preciso.
A comunicação subjetiva e o impacto em que fica
Samantha Sá, professora de Psicologia na PUCRS e diretora na equipe do Instituto Proteger, alerta que quem pensa em suicídio geralmente verbaliza, mas não necessariamente de forma direta. A comunicação aparece de outros modos: a pessoa pode dizer que a vida não faz sentido, que nada vale a pena, que gostaria de sumir etc.
— Há a estatística de que dois terços dos suicidas avisaram, na semana anterior ao ato, que o fariam. Quando isso ocorre, a rede apoio precisa atuar para não a deixar desacompanhada, não jurar segredo sobre o que ela vier a falar e procurar ajuda imediatamente com psiquiatras ou psicólogos. É preciso ouvir sem julgar, manejar a situação, entender o que pode fazer para ajudar e encaminhar para recebimento de ajuda — diz Samantha.
Edilson Pastore, psicólogo e coordenador de Pesquisa e Ensino da Clínica Pinel, de Porto Alegre, especializada em psiquiatria e dependência química, atenta para o perfil daqueles que não falam. Esses casos são mais difíceis. A pessoa chega a negar a ideação suicida quando questionada. Mas não deixa de ter um comportamento incomum, diz Pastore:
— O indivíduo fica mais isolado, retraído, pode pedir demissão ou a separação, pode vir a passar alguns períodos longe de todos, em um lugar diferente. A família precisa suspeitar, é melhor pecar pelo excesso nestes casos e ir em busca de um profissional da saúde. Porque, no caso de pessoas com rede de apoio curta, até mesmo a morte de um animal de estimação pode ser o catalisador da ideação suicida.
Quando identificado o quadro, a pessoa pode ter um acompanhamento psicológico ou psiquiátrico associado ao uso de medicamentos. Caso se perceba que ela esteja planejando ou mesmo já tenha decidido executar a ação, ela precisará ser internada, afirma Pastore, enfatizando o “violento impacto psicológico” que o suicídio tem sobre os familiares e parentes, os sobreviventes:
— Evitar o suicídio de uma pessoa também é preservar a vida de várias outras, é evitar que elas desenvolvam transtornos psiquiátricos em razão desse episódio. Evitar o suicídio é uma ação que tem múltiplos efeitos.
Onde buscar ajuda gratuita
- Centro de Valorização da Vida (CVV): realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone 188, e-mail e chat (cvv.com.br) 24 horas por dia, diariamente.
- Centros de Atenção Psicossocial (Caps): são unidades especializadas em saúde mental para tratamento e reinserção social de pessoas com transtorno mental grave e persistente. Aqui você encontra o endereço dos Caps no Rio Grande do Sul: gzh.rs/caps
- Clínica da Família IAPI: este posto atende demandas da saúde mental. Rua Três de Abril, 90, Passo d’Areia, Porto Alegre. Telefone: (51) 3289-3400. Horário de funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 7h até 17h.
- Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul: atende demandas da saúde mental na Rua Prof. Manoel Lobato, 151, Santa Tereza, Porto Alegre. Telefone: (51) 3289-4046. Funcionamento é diário, 24 horas por dia.