Quatro milhões de brasileiros podem ter diagnóstico de doença de Alzheimer em 2050 caso medidas de prevenção não sejam adotadas. Essa é apenas uma das conclusões do primeiro estudo a analisar o perfil socioeconômico, comportamental e clínico de indivíduos com o quadro no Brasil (o Ministério da Saúde estima em 1,2 milhão atualmente). Além dessa tendência de crescimento, o trabalho ainda mostrou que a população negra tem menor acesso ao diagnóstico, e também que a doença pode acarretar depressão e o sentimento de tristeza.
Para chegarem a essa estimativa, os líderes do levantamento usaram dados da pesquisa domiciliar do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil) realizada em 2015 e 2016, com aplicação de questionário a 9.412 adultos a partir de 50 anos. Essas informações foram cruzadas com as projeções de aumento na expectativa de vida e, consequentemente, crescimento da população idosa no Brasil.
Embora o número assuste, infelizmente não surpreende, opina o neurologista Lucas Schilling, professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e pesquisador do Instituto do Cérebro do Estado (Inscer). Isso por que a doença de Alzheimer, principal tipo de demência, tem como principal fator de risco o envelhecimento.
— Porém, esse é um processo de doença que se desenvolve ao longo de anos. Podemos entendê-lo como um processo biológico progressivo, que começa com o acúmulo de duas proteínas no cérebro, a Tau e a Beta-amiloide, que vai levando à neurodegeneração — explica o especialista.
A população de pacientes pode quadruplicar em uma velocidade muito maior do que nos últimos 30 anos. Sabemos que não tem cura, então, como podemos melhorar a qualidade de vida dessas pessoas? Como torná-las menos solitárias? Como auxiliar os cuidadores?
NATAN FETER
Pesquisador da UFPel
Todo esse movimento ocorre de forma silenciosa no decorrer do tempo, culminando em prejuízos clínicos em fase mais avançadas, como a perda de memória e a demência. É geralmente nesse momento que o quadro passa a ser percebido.
— Tem um longo período assintomático e, depois, começam a aparecer os sintomas.
Como não tem cura, a melhor prevenção, indica Schilling, é cuidar dos hábitos de vida: ter uma alimentação equilibrada, não fumar, não abusar do álcool, praticar exercícios físicos, controlar a pressão e o diabetes e manter o cérebro ativo e estimulado.
Pioneiro em descrever o perfil socioeconômico, comportamental e clínico de pessoas com Alzheimer no país, o estudo revelou pontos interessantes relacionados à raça. Conforme o líder da pesquisa, Natan Feter, que é pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), os negros aparentemente têm menos a doença, no entanto, essa observação não tem relação causal biológica.
— É que a população negra tem menos chance de ter o diagnóstico. O acesso a esse parecer é mais difícil. Se pegarmos pessoas com demência brancas, negras e pardas, vemos que as pardas e as negras são as com maior risco de morrer nos hospitais, pois já chegam com um quadro avançado e, portanto, com uma possibilidade de tratamento reduzida — diz Feter.
O número está ligado à população que vive em condições socioeconômicas mais desfavoráveis, tem dificuldade em fazer exames, usar medicações, ir ao médico. Esse aumento exponencial se dá especialmente em países de baixa e média renda.
LUCAS SCHILLING
Neurologista
Populações de países desenvolvidos, por exemplo, apesar de terem idade avançada, não sofrem com aumento desses problemas, aponta Schilling, pois conseguem se manter ativos e ter maior acesso aos cuidados básicos de saúde:
— Aqui no país, o número está ligado especialmente à população que vive em condições socioeconômicas mais desfavoráveis, tem dificuldade em fazer exames, usar medicações, ir ao médico. Esse aumento exponencial se dá especialmente em países de baixa e média renda.
Há também outros aspectos que conseguem mitigar o problema, como a educação, por exemplo. A própria alfabetização e o acesso aos estudos são fatores que contribuem para a reserva cognitiva que nada mais é do que uma espécie de “poupança” cerebral, que diminui a vulnerabilidade aos processos patológicos da velhice.
O conceito, explica um artigo de Yaakov Stern, professor do departamento de Neurologia da Universidade de Columbia, nos EUA, foi proposto para entender a dissociação entre certos danos cerebrais ou patologias e suas manifestações clínicas. Na prática, defende o pesquisador, o conjunto de experiências de vida, como exposição educacional, ocupacional e a atividades de lazer, está associado a um menor risco de desenvolver demência na velhice. Isso quer dizer, que, quanto maior a reserva, melhor a resposta aos danos cerebrais inerentes à idade.
Depressão e tristeza
Para além das questões envolvendo o declínio cognitivo e físico, os pacientes com Alzheimer ainda se mostraram mais suscetíveis a problemas emocionais, mostrou a pesquisa brasileira. De acordo com Feter, dois em cada três entrevistados afirmaram que se sentem deprimidos ou tristes.
— Esses dados foram coletados antes da pandemia. Hoje, essa população pode estar ainda mais afetada — aponta o pesquisador.
Com a perspectiva de ver a população com Alzheimer aumentar muito nos próximos anos, o trabalho propõe discutir como tratar essas pessoas daqui para frente, em nome da qualidade de vida.
— A população que existe pode quadruplicar em uma velocidade muito maior do que nos últimos 30 anos. Sabemos que não tem cura, então, como podemos melhorar a qualidade de vida dessas pessoas? Como torná-las menos solitárias? Como auxiliar os cuidadores? Esse é um dos principais pontos que podem guiar políticas públicas — avalia Feter.
Doenças associadas e relação com a covid-19
O trabalho também revelou que os pacientes com Alzheimer têm maior probabilidade de serem diagnosticados com diabetes, depressão, doença de Parkinson e acidente vascular cerebral em comparação com adultos mais velhos sem diagnóstico da doença, condições que pioram a saúde geral dos pacientes e que podem acarretar maior número de hospitalizações, pontua Jayne Leite, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que também participou do estudo.
— As doenças crônicas podem contribuir tanto para o desenvolvimento quanto para o agravo do quadro de Alzheimer. Se não houver o controle adequado das comorbidades, pode piorar o Alzheimer — afirma Jayne.
Dentre as comorbidades mais frequentes na amostra de pacientes com Alzheimer, a hipertensão foi a que mais apareceu, com 67,6%. Depois, apareceram depressão (44,9%), diabetes (31,1%), acidente vascular cerebral (26,4%) e doença de Parkinson (13,4%).
Informações do Reino Unido dão conta de que pessoas com Alzheimer têm risco maior de morrer por covid-19. Na opinião do neurologista Lucas Schilling, isso mostra que essas pessoas estão mais vulneráveis quando comparadas com outras sem o diagnóstico.
— Talvez tenham ainda outros mecanismos neurológicos para estar mais suscetíveis e mais graves da enfermidade. Estamos vendo que há uma relação entre pacientes com doenças neurodegenerativas e quadros mais graves de covid-19 — afirma o professor da PUCRS.
Sinal amarelo
Dados do estudo mostram que, para cada ano a mais na idade, cresce em 11% o risco de o idoso ter doença de Alzheimer, portanto, prestar atenção nos indicativos da enfermidade é fundamental. Schilling reforça que os declínios físico e cognitivo são normais com o passar dos anos e não são sinônimo de patologia. Contudo, qualquer prejuízo, esquecimento ou capacidade de gerenciar a vida requer um olhar mais cauteloso.
— Por exemplo, esquecer de pagar contas, de comparecer a um compromisso, são indicativos de alerta para procurar avaliação. O sinal amarelo é o prejuízo funcional — orienta.
Hoje, os tratamentos recomendados são os não farmacológicos, como terapia ocupacional e atividade física, e os medicamentos que são usados para desacelerar a progressão da doença. Em termos de pesquisa, está em análise pelo órgão regulador norte-americano, o Food and Drug Administration (FDA), um medicamento capaz de retirar o acúmulo de uma dessas proteínas causadoras da doença do cérebro.
Tema em evidência no último Oscar
O Alzheimer, a demência e a perda da memória ganharam destaque na mais recente edição do Oscar: Meu Pai recebeu os prêmios de ator (Anthony Hopkins) e roteiro adaptado e disputou as categorias de melhor filme, atriz coadjuvante (Olivia Colman), edição e design de produção.
Em cartaz nas plataformas de streaming Apple TV, Now, Google Play e YouTube, o drama é baseado na vivência do diretor e dramaturgo francês Florian Zeller com a avó que o criou. Na trama, Hopkins interpreta o octogenário Anthony. Ele acha que sua filha está o abandonando em Londres para ir morar em Paris com um homem que conheceu há pouco tempo. Mas logo as coisas começam a ficar embaralhadas, tanto para o protagonista quanto para o espectador.
Em entrevistas, Zeller disse que “não queria contar a história por fora, mas por dentro”, fazendo o público se sentir na cabeça do personagem. Nessa proposta, o trabalho de cenografia foi fundamental: no começo, você reconhece o apartamento de Anthony e a decoração. Passo a passo, sempre em segundo plano, há pequenas mudanças, e você nunca sabe exatamente o que aconteceu, mas algo aconteceu, então tem a sensação de que está no mesmo lugar, mas também em outro lugar.