A decisão de Angelina Jolie em remover um órgão para prevenir a incidência de câncer gerou repercussão mundial mais uma vez, lançando luz sobre a solução indicada por especialistas para os casos de quem, assim como a atriz americana, apresentam mutação no gene BRCA1.
Angelina, que perdeu a mãe, a avó e a tia para a doença, retirou as mamas em 2013 e, recentemente, fez cirurgia para a remoção de ovários e trompas de Falópio (tubas uterinas). Ela noticiou a realização da operação por meio de um artigo publicado na terça-feira no jornal The New York Times.
Opção de Angelina Jolie, retirada dos ovários para prevenir câncer é recomendada por especialistas
Como ressalta Patricia Ashton Prolla, professora de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, coordenadora da Rede Nacional de Câncer Familial e médica do Instituto do Câncer Mãe de Deus, a decisão da estrela em nada tem a ver com exagero, automutilação ou uma medida para chamar a atenção:
- O que ela está fazendo é alertar para um risco muito alto e está tentando desmistificar uma conduta que é agressiva, mas necessária.
Mas ao vir à tona o assunto mapeamento genético e a necessidade da retirada de ovários, dúvidas pairaram sobre a notícia envolvendo atriz. Patrícia explica o que acontece com Angelina, os casos em que é necessário o teste genético e dá mais informações sobre o câncer de ovário. Confira:
Para mulheres com mutação nos genes BRCA1 e BRCA2, é sempre indicada a remoção dos ovários e das trompas?
Entre os especialistas de oncogenética, há um consenso de que, quando a mulher tem a mutação, deve fazer a remoção de ovários e trompas. Entretanto, a retirada do ovário não costuma ser realizada em mulheres muito jovens. A operação é realizada por volta dos 40 anos, já que, antes disso, são muito pequenas as possibilidades de contrair câncer no ovário. Além disso uma cirurgia de retirada dos ovários vedaria a possibilidade de ter filhos e adiantaria muito a menopausa. Após a cirurgia, é possível realizar um tratamento com baixa quantidade de hormônios por até cinco anos, para aliviar os sintomas de menopausa causados pela cirurgia.
O que ocorre quando a mulher tem alteração no gene BRCA1?
O câncer de ovário ocorre em cerca de 1% das mulheres da população geral. Aquelas que têm mutação no gene BRCA1, que é o caso de Angelina, têm um risco de 40% a 50% de ter esse tipo de câncer, além de ter 85% de possibilidade de ter câncer de mama. Quando há mutação no gene BRCA2, as mulheres têm um risco mais ou menos equivalente de ter câncer de mama, de 85%, além de 20% a 25% de contrair a doença no ovário, e também podem ter risco aumentado para outros tumores, como de câncer de pâncreas, melanoma, vias biliares e intestino. As alterações em BRCA1 e BRCA2 atingem uma a cada 600 mulheres - lembrando que nem todas as mulheres que têm a mutação desenvolvem câncer.
Se eu me certificar de que não tenho mutação nesse gene, tenho garantia de que não vou ter câncer?
Não. De todas as mulheres que têm câncer de ovário, 15% têm, de forma hereditária, mutação em genes - incluindo o BRCA1, o BRCA2 e mais de 10 outros genes. Mas a grande maioria dos cânceres de mama e ovário não são hereditários. E há incontáveis causas, levando em consideração, entre outros, o ambiente e o estilo de vida que a pessoa leva.
Há alguma forma de diagnosticar o câncer de ovário na fase inicial?
O tumor começa silencioso e, geralmente, dá sintomas apenas quando está em um estágio muito avançado. O rastreamento por exames para identificar câncer de ovário precocemente não funciona muito bem. Por exemplo, para câncer de intestino, há a colonoscopia, para câncer de mama, há a mamografia e a ressonância magnética, mas os exames que existem para diagnosticar o câncer no ovário, como a ultrassonografia transvaginal, não são tão eficazes. Pelo menos um terço das mulheres com câncer de ovário em estágios iniciais podem apresentar ultrassonografia normal.
Como sei se devo fazer o teste genético?
O teste genético de mutações em BRCA1 e BRCA2 é indicado por médicos quando há mais de 10% de chance de ter uma alteração nestes genes. Normalmente, dentro de uma família, é realizado primeiro em mulheres que têm ou já tiveram câncer. Esse resultado ajuda a planejar o acompanhamento futuro da mulher que já teve câncer e pode auxiliar suas familiares, que poderão saber do seu risco e buscar prevenção antes da doença acontecer. O teste ainda não está disponível pelo SUS, mas pacientes com convênio já têm acesso. Os custos deste exame tendem a diminuir e espera-se que em breve ele esteja disponível para todas mulheres brasileiras que tem indicação de fazê-lo.