Entre os 10.880.506 moradores do Rio Grande do Sul registrados em 2023, existiam 941 médicos intensivistas. Ou seja, no ano passado, a cada 100 mil habitantes do Estado, eram 8,65 profissionais da área, a melhor densidade entre os Estados brasileiros. É papel do médico intensivista oferecer assistência clínica e de medicamentos ao paciente, monitorando funções vitais.
Apesar do dado, seis a cada 10 desses profissionais moravam em Porto Alegre, revelando que, apesar da boa quantidade de médicos da especialidade no Estado, eles estão concentrados na Capital.
Os dados são do Censo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). Ao olhar para as demais cidades, fora a capital gaúcha, a densidade de médicos intensivistas a cada 100 mil habitantes cai para 4,03 no RS. Enquanto isso, em Porto Alegre, onde residem 12,25% (1.332.570) da população do Estado, a taxa é de 41,72.
— Essa desproporção, ela não é a ideal. Essa concentração, ela pode ocorrer, principalmente nos locais onde existem centros mais especializados, mas não nessa proporção. Isso gera uma desproporção do cuidado e o cuidado com médicos especializados faz a diferença para um resultado mais efetivo naquele doente que é grave, que precisa uma intervenção imediata, que não tem um tempo disponível para ser transferido para uma instituição que muitas vezes a distância é longa, mesmo que seja um transporte aéreo, a logística dessa transferência, ela demora no mínimo algumas horas e algumas vezes o tempo é muito precioso — comenta Cristiano Franke, médico intensivista e representante da Amib no RS.
O levantamento também mostra a presença de médicos intensivistas por estratos populacionais, ou seja, pelo tamanho da população de cada município, e revela que nas 335 cidades gaúchas com até 10 mil habitantes, foram identificados apenas três profissionais. Juntos, os municípios somam 1.369.462 pessoas — mais do que o total de Porto Alegre. Isso significa que, em 67,4% das cidades gaúchas, a densidade é de 0,22 médicos intensivistas a cada 100 mil habitantes.
O cenário encontrado no RS, em relação à distribuição dos profissionais, não difere muito do nacional. De acordo com os dados, quase metade dos municípios brasileiros, 44,83% (2.495), possuem 10 mil habitantes ou menos e, juntos, dispõem de apenas 34 intensivistas.
— Os dados que nós tivemos com esse censo são inéditos, porque vão além dos números de leitos, temos a informação dos profissionais médicos especialistas. Isso permite uma avaliação mais pormenorizada da distribuição, da localização e como esses médicos trabalham nessas unidades de terapia intensiva no nosso país, possibilitando uma melhor tomada de decisão por todos os gestores para a evolução do nosso sistema de saúde e o cuidado adequado com os pacientes críticos — acrescenta Franke.
Dependência de estrutura
Ao longo da apresentação do censo, a Amib destaca que não é esperada uma presença significativa de médicos intensivistas em localidades que não possuem unidades de terapia intensiva (UTIs), pois a sua atuação tem vínculo direto com a estrutura de suporte avançado que esses leitos demandam.
“A ausência de UTIs limita a necessidade de especialistas em medicina intensiva, uma vez que sua atuação está diretamente vinculada à infraestrutura hospitalar capaz de oferecer suporte avançado de vida. Assim, a distribuição dos intensivistas tende a se concentrar em regiões que dispõem de UTIs, refletindo uma correlação direta entre a presença de recursos hospitalares e a alocação desses profissionais.” — explica a Amib na apresentação do Censo.
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde (SES), os leitos de UTI dependem de uma série de exigências. Além dos médicos intensivistas, compõem a equipe fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, dentista, entre outros profissionais, também são necessários equipamentos específicos e espaços dedicados. Outro fator importante é a estrutura do hospital, que deve ter disponibilidade para realização de exames específicos no local.
No estudo apresentado pela Amib, os dados sobre a distribuição de intensivistas são analisados por estrato populacional dos municípios e não por regiões, como é feito pela SES. De acordo com a secretaria, além da capacidade tecnológica de um hospital, são levados em consideração indicadores de critério populacional.
Apesar da justificativa para a alta concentração em Porto Alegre, ela continua sendo vista de forma negativa por especialistas da área. Isso porque o tempo de deslocamento até a Capital pode ser crucial no tratamento do paciente que necessita de cuidados intensivos.
— Eu fico preocupada por não haver uma medida de política pública para tentar solucionar isso, principalmente em casos de doenças tempo-dependentes, como AVC e infarto, que são doenças que têm que chegar muito rápido no hospital. Então, se tivessem disponíveis esses tratamentos lá, diretamente, seria melhor para o paciente, se evitaria uma sobrecarga em Porto Alegre, que isso também acontece e o paciente seria melhor atendido, com certeza — pondera a Taiani Vargas, médica intensivista e coordenadora do segmento de Terapia Intensiva da Santa Casa de Porto Alegre.
Outra possibilidade, apontada pela SES, que pode contribuir para que 59% dos médicos intensivistas do RS se encontrem na capital gaúcha é uma característica da rotina profissão, onde é habitual o deslocamento entre cidades para realização de plantões. Conforme a secretaria, é comum que médicos de Porto Alegre realizem atendimentos no interior.
Cuidados 24h por dia
A densidade encontrada no Estado também pode ser sinônimo de um mercado saturado. Tal possibilidade é apontada pelo Censo ao comparar os dados do RS com os do Amapá, por exemplo. Apesar de possuírem uma densidade de leitos por habitantes semelhante — 32,02 leitos por 100 mil habitantes e 29,04, respectivamente —, eles ocupam extremos diferentes em relação ao número de leitos por profissional. O Estado do Sul possui 3,7 leitos para cada intensivista, enquanto o do Norte tem 42,6 leitos por profissional.
A hipótese é refutada por Taiani, que relata que o regime de rotina de trabalho é diferente em Porto Alegre e, por isso, o mercado não está saturado, ainda que com demandas em aberto. A médica explica que o padrão na capital gaúcha é ter um médico intensivista nas UTIs, a cada 10 leitos, ao longo das 24h do dia, nos sete dias da semana. Isso faz com que mais médicos sejam responsáveis pelo mesmo leito, diluindo a proporção apresentada pela Amib de um médico a cada 3,7 leitos.
— Aqui no Rio Grande do Sul, e principalmente em Porto Alegre, nós temos o privilégio de conviver com uma situação bem diferente em relação ao resto do Brasil quanto à terapia intensiva. No RS foi onde nasceram as duas primeiras residências médicas da área e o cenário aqui, referente ao regime/jornada de trabalho, é bem diferente desses outros locais. Eu costumo dizer que o Rio Grande do Sul vive numa bolha de medicina intensiva comparada com o resto do Brasil — comenta a coordenadora do segmento de Terapia Intensiva da Santa Casa de Porto Alegre.
Esse padrão de atendimento, de manter um médico intensivista em todos os horários do dia, de acordo com a experiência da Taiani é encontrado, quase exclusivamente, em Porto Alegre e em São Paulo.