Ao contar para a família sobre o diagnóstico do vírus da imunodeficiência humana (HIV, na sigla em inglês), Andréa Morais precisou lidar com reações distintas: enquanto o pai permaneceu mais tranquilo, a mãe não entendia como ocorria a transmissão e tinha medo de que outras pessoas pudessem se infectar. Apesar da dificuldade inicial, o acesso à informação ajudou no processo de aceitação e, hoje, todos lidam bem com o assunto.
A história de Andréa ilustra a situação vivenciada por parte das pessoas que tem HIV. Embora não seja mais uma sentença de morte, o diagnóstico do vírus traz uma série de desafios para a saúde mental do infectado. Os estigmas que ainda permeiam o tema estendem parte desse impacto às pessoas próximas. Especialistas destacam, contudo, que o apoio familiar tem um reflexo importante na adesão ao tratamento e na qualidade de vida dos pacientes.
O problema é que, ao contrário de outras infecções, o HIV é historicamente associado à “falta de moralidade” e a grupos específicos, como homossexuais e profissionais do sexo, comenta Angelo Brandelli Costa, professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
— Se construiu uma simbologia que é muito ruim e aí, quando a pessoa recebe o diagnóstico, aquilo fica como se fosse uma marca, uma confirmação desse status hierárquico inferior que a sociedade conferiria a ela. Por isso, as relações sociais e o apoio social são fundamentais — enfatiza.
Integrante da equipe que conduziu a pesquisa Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/aids, em parceria com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (UNAIDS) no Brasil, Costa ressalta que a solidariedade marcou a resposta contra a epidemia de HIV no país desde o início. No entanto, o apoio mais comum vinha da comunidade e de grupos específicos, já que muitos pacientes eram expulsos de casa por suas famílias após o diagnóstico.
O professor do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Guilherme Gomes Ferreira acrescenta que as relações familiares envolvem muita ambivalência: ao mesmo tempo em que algumas desempenham um papel de proteção, cuidado e apoio, outras podem manifestar violências e violação dos direitos. Contudo, destaca a importância da família que exerce essa função positiva.
— Entendemos que o impacto psicológico e social do cuidado da família é totalmente diferente de quando não há. A família pode, sim, ser um espaço de acolhimento e proteção que faz toda a diferença, inclusive na aderência ao tratamento — afirma Ferreira, que também atua como assistente social na ONG Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade, que presta atendimento social, jurídico e psicológico a pessoas LGBTI+ ou vivendo com HIV/aids.
Esse apoio também pode representar um espaço de respiro, em que a pessoa com HIV desabafa sobre o assunto, sem precisar esconder algo de seus familiares — o que impacta positivamente na saúde mental. Costa salienta que a possibilidade de a família ser um suporte para o paciente foi se construindo ao longo das décadas e que casos como o da mãe do cantor Cazuza, que se colocou publicamente ao lado do filho, ajudaram nesse processo.
Como acolher
O primeiro ponto a ser entendido sobre o HIV é que as pessoas que vivem com o vírus podem ter uma vida normal, reforça o professor da UFRGS. Assim, os especialistas consideram que buscar informações sobre os avanços no tratamento, que permite que os pacientes fiquem indetectáveis, é essencial para fugir dos estigmas.
Às famílias, Ferreira também sugere não moralizar a pessoa que vive com o vírus, nem questionar por que não se protegeu ou se cuidou:
— As pessoas colocam a transmissão do HIV como uma responsabilidade absolutamente individual, mas quando trabalhamos com HIV sabemos que não é uma questão somente do sujeito. Também é uma questão social, ou seja, também diz respeito às condições do sujeito de buscar acesso à informação e a serviços de saúde. Também é uma questão programática, que se refere ao nível de informação e de campanha que um país, uma cidade ou um Estado produz.
Além disso, o professor da UFRGS indica que os familiares saibam dos direitos que o indivíduo que vive com HIV tem, acompanhem o tratamento e a busca por serviços de saúde, e deem espaço para que a pessoa fale abertamente sobre o assunto. O acompanhamento psicológico e a troca com amigos também podem contribuir para o processo de elaboração das conversas.
Já Costa destaca ser fundamental respeitar a privacidade desse indivíduo, evitando a exposição do diagnóstico a outros membros da família sem consentimento, algo que pode ser muito danoso, dependendo do contexto.
— (Também indico) não julgar ou culpabilizar, porque já existe um sentimento que a pessoa internaliza de que ela é culpada pelo adoecimento. É importante, ainda, evitar piadas preconceituosas e o isolamento, porque isso coloca a pessoa como se ela valesse menos — alerta.
O professor da PUCRS considera, ainda, essencial retomar o engajamento contra a discriminação e o preconceito:
— Chamo a atenção para como é importante reativarmos a solidariedade. Porque é muito triste quando a pessoa é excluída da família em função de uma condição que é tratável.
Onde buscar apoio
Para quem tem dúvida sobre a infecção ou a vida com HIV, está com medo de fazer o exame confirmatório, recebeu o diagnóstico recentemente ou passa por dificuldade com a aceitação da condição, o Grupo de Apoio à Prevenção à Aids do Rio Grande do Sul (Gapa-RS) pode ajudar.
O grupo conta com profissionais capacitados para prestar apoio e auxiliar no que for preciso. É possível entrar em contato pelo WhatsApp, no número (51) 9107-3333.
Já a ONG Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade oferece atendimento social, jurídico e psicológico para pessoas LGBTI+ ou que vivem com HIV/aids.
O serviço funciona de terça a quinta-feira, das 9h ao meio-dia e das 13h às 17h. Mais informações podem ser obtidas por meio de contato pelo WhatsApp: (51) 3062-0070.