Quando recebeu o resultado do exame, Andréa Morais pensou em "se jogar no mar". Na época, tinha 37 anos e morava em Imbé, no Litoral Norte. Sete anos depois, a escritora e terapeuta holística se sente grata por ter escolhido viver, mesmo com medo de como seriam os dias com um diagnóstico positivo para infecção do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV, na sigla em inglês), causador da aids. Atualmente, vê a situação com outros olhos e, de um jeito despojado, dá de ombros:
— E daí que eu vivo com HIV? Grandes coisas. Não é o fim do mundo. Na hora que se descobre, a gente acha que é, mas depois vê que não, que dá para viver bem.
Ela foi infectada em fevereiro de 2017, após ter sido abusada sexualmente por um conhecido. Três semanas depois da exposição de risco, Andréa começou a sentir sintomas como dor de garganta, febre alta, ardência nos olhos, dor nas articulações, moleza no corpo, vômito e diarreia. Segundo o Ministério da Saúde (MS), a primeira fase da doença, chamada de infecção aguda, é quando ocorre a incubação do HIV, que pode levar entre três e seis semanas.
Como os primeiros sinais são parecidos com os de uma gripe, a condição pode passar despercebida. Andréa relata que em poucas horas os sintomas pioraram e que, ainda assim, os médicos não suspeitaram que poderia ser uma infecção por HIV. Quem levantou a hipótese e, posteriormente, pediu o exame confirmatório foi uma tia, que é pediatra.
— No meu papel estava escrito “infecção aguda recente”. Aí eu soube quem tinha me infectado. Mas, por causa do meu histórico e da minha criação, eu assumi a culpa. Quando eu peguei o diagnóstico, minha mãe estava do meu lado. Eu queria me jogar no mar e ela não deixou, me segurou. Ela falou que não imaginava ter uma filha com essa condição, mas que íamos enfrentar juntas — conta, emocionada.
Imediatamente após o resultado, Andréa começou o tratamento com antirretrovirais (ART) pelo Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com o MS, esses medicamentos impedem que o vírus se replique dentro dos principais alvos do HIV, as células T-CD4+, evitando que a imunidade diminua e que a aids – estágio mais avançado – apareça.
Em três meses, a autônoma ficou indetectável. Ou seja, incapaz de transmitir o vírus a outras pessoas por via sexual. Para continuar nessa condição, ela precisa tomar dois comprimidos diariamente, para o resto da vida. O tratamento pode variar conforme o paciente.
— No começo, eu pensava “meu Deus, vou ter que tomar remédio para sempre". Tinha medo de não lembrar de tomar todos os dias. Mas é que nem tomar água, é um hábito. Hoje eu vejo como tranquilo.
Apesar de tratar o assunto com leveza, Andréa reconhece que o HIV transformou significativamente a sua vida. Antes do vírus, não tinha hábitos saudáveis e tinha uma vida social mais ativa. Depois do diagnóstico, passou a cuidar mais da saúde, dormir melhor, ficar mais em casa, virou vegetariana, começou a fazer atividades físicas e meditação.
— Foi aí que eu aprendi que tinha que me cuidar.
Além da nova rotina para garantir adesão ao tratamento, Andréa também teve que se acostumar com a realização de exames e consultas com o infectologista a cada seis meses. São nestes momentos que ela checa como está a carga viral do HIV e a saúde em geral.
Relacionamentos transformados
Para Andréa, a mudança também foi visível no campo dos relacionamentos. Ela conta que, embora a mãe tenha prestado apoio em um primeiro momento, a aceitação foi difícil por causa da falta de informação. A mãe de Andréa não entendia como o vírus era transmitido e tinha medo de que outras pessoas da família pudessem se infectar.
— Ela não tinha informação, então ela tinha muito medo. Isso foi escondido da minha avó até ela morrer. A reação do meu pai foi mais tranquila, mas da minha mãe, não. Hoje, ela sabe, entende que o indetectável é intransmissível — relata.
O Grupo de Apoio à Prevenção da Aids do Rio Grande do Sul (Gapa-RS) é uma organização não governamental que atua prestando suporte a pessoas em situação de risco, diagnosticados e familiares. Carla Almeida, membra da direção do Gapa-RS, explica que o processo de aceitação passa pela necessidade de ter informações sobre o assunto.
— Fica muito explícito o estigma que está relacionado. As pessoas que ficam sabendo, ficam tão impactadas quanto quem recebeu o diagnóstico. Esse impacto é para o sujeito, óbvio, mas, conforme ele vai contando, conforme isso vai ficando visível, também é para as outras pessoas. Inúmeras vezes a gente não acolhe só a pessoa, a gente acolhe a família.
Um dos maiores medos de Andréa era contar sobre a condição para as filhas que, na época do diagnóstico, tinham 11 e nove anos. Ela tinha receio de que as meninas, frutos de outro relacionamento, a rejeitassem ou pensassem coisas negativas sobre ela. A conversa só aconteceu um ano e meio após a escritora receber o diagnóstico.
— Pensava que elas iam achar que a mãe era promíscua, porque eu tinha esse preconceito. Mas elas foram fantásticas. Quando eu contei, elas me disseram “ah, mãe, é só isso?”. E eu estava me debulhando em lágrimas, como se fosse o fim do mundo. Tudo que aconteceu só nos uniu mais — conta, sorrindo.
Nos relacionamentos amorosos, Andréa também teve dificuldades. Depois do diagnóstico, mas ainda sem compreender que havia sido vítima de abuso sexual, ela chegou a morar com o responsável pela infecção – que negou ser soropositivo. A terapeuta holística relata que o companheiro costumava dizer que ninguém aceitaria se relacionar com uma mulher que vive com HIV. Com a autoestima afetada, acreditava que não era merecedora de amor.
Depois, passou a trabalhar a autocompaixão, para entender que deveria ser tratada com respeito apesar do diagnóstico. Quando ficou solteira novamente, achava difícil falar sobre o HIV com os pretendentes. Ela conta que, em pouco tempo, mudou a estratégia e decidiu contar sobre a condição antes mesmo de dar o primeiro beijo. A partir da reação das pessoas, ela consegue filtrar com quem vale a pena manter contato.
Eu falo e, se a pessoa não quiser: vaza. Não quero preconceituoso perto de mim.
ANDRÉA MORAIS
Escritora e terapeuta holística
Em um relacionamento a distância que dura quase três anos, Andréa afirma que essa preocupação com a aceitação está no passado. Para as amizades, a abordagem é a mesma. O diagnóstico costuma aparecer nos primeiros minutos de conversa e, se as pessoas tiverem alguma dúvida ou preconceito infundado, a escritora explica com paciência sobre a condição.
— Se a pessoa continuar com preconceito... daí deixo para lá. Não preciso passar por isso. Normalmente, eu consigo fazer a pessoa entender sobre o HIV e aí ela continua se relacionando comigo numa boa.
Nas horas vagas
Em poucos minutos de conversa, é possível perceber que Andréa é expert no tema e, por isso, consegue explicar a condição com clareza. Atualmente, além de escritora e terapeuta holística, é criadora de conteúdo na internet, e acredita que falar sobre o assunto é sua missão. No TikTok e no Instagram, responde perguntas de internautas confusos sobre o vírus e fala sobre a vida com HIV.
Na casa em que mora com as duas filhas em Três Coroas, no Vale do Paranhana, Andréa conta com um quarto equipado com cenários, luzes e tripés para as gravações. Quase todos os dias, se senta em um banquinho branco, coloca o celular no suporte e passa horas produzindo conteúdo. Somando as duas redes sociais, já conta com mais de 120 mil seguidores.
— Eu pego, normalmente, as perguntas que as pessoas fazem. Algumas, muita gente acha absurda, como, por exemplo se é possível “pegar” HIV usando calcinha de outra pessoa. Tem gente que não responde essas, mas, às vezes, a pessoa realmente está com dúvida, então eu respondo. Eles falam assim, “pegar HIV”. Aí eu vou lá e corrijo, digo que “infectar” é o termo correto. Falo sobre a diferença entre HIV e aids, sobre estar indetectável, sobre minha rotina, sobre a adesão ao tratamento — conta.
Em meio às dúvidas, surgem mensagens de pessoas que estão com medo de terem sido infectadas ou acabaram de receber o diagnóstico. A influenciadora relata que, virtualmente, tenta ajudar quem a procura, oferecendo apoio, tirando dúvidas e ouvindo os desabafos.
Como buscar ajuda
Para quem tem dúvida sobre a infecção ou a vida com HIV, está com medo de fazer o exame confirmatório, recebeu o diagnóstico recentemente ou passa por dificuldade com a aceitação da condição, o Gapa-RS pode ajudar. O grupo conta com profissionais capacitados para prestar apoio e auxiliar no que for preciso. É possível entrar em contato pelo WhatsApp, no número (51) 9107-3333.
— Diante de uma situação que provoque questionamento sobre a sua sorologia, a pessoa já nos procura. Não só buscando informações sobre o que viveram, mas já projetando quais são os encaminhamentos para um diagnóstico positivo — relata Carla Almeida, membra da direção do Gapa-RS.
Já a ONG Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade oferece atendimento social, jurídico e psicológico para pessoas LGBTI+ ou que vivem com HIV/aids. O serviço funciona de terça a quinta-feira, das 9h ao meio-dia e das 13h às 17h. Mais informações podem ser obtidas por meio de contato pelo WhatsApp: (51) 3062-0070.