Apesar de não ter sentido nenhum impacto da fumaça em sua saúde física, o mentor estratégico Rômulo Carvalho, 57 anos, observa que a "luminosidade diferente” afeta seu humor no dia a dia. E ele não é o único com essa sensação. Conforme especialistas, a sequência de fenômenos extremos presenciada pela população gaúcha pode ter impacto na saúde mental, causando quadros de ansiedade, depressão e até transtorno de estresse pós-traumático.
Há praticamente um mês, a Região Metropolitana visualiza um horizonte acinzentado — mesmo nos momentos em que o sol tentou aparecer —, devido às queimadas ocorridas em outros Estados e em países vizinhos. De acordo com a Climatempo, a última vez em que o céu esteve mais aberto, com a típica cor azul, foi em 6 de setembro. O registro anterior a esse foi em 14 de agosto.
Na visão de Carvalho, o sol está fazendo falta:
— Nós viemos de um inverno rigoroso, de uma situação com muita chuva, que ocasionou toda aquela tragédia, e acho que o sol sempre traz uma esperança, luminosidade, possibilidade de humor, de emoção, que nesse caso perdemos um pouco. Acho que Porto Alegre está merecendo mais dias de sol.
Mariana Bortoncello Filippin, psicóloga do setor de oncologia do Hospital Nora Teixeira, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, comenta que a ausência de luz solar pode ocasionar uma desregulação do ritmo circadiano, que é considerado essencial para ter um sono saudável. Já o fato de não dormir bem está associado a distúrbios de humor, como ansiedade e depressão.
O período prolongado sem sol também pode levar ao chamado transtorno afetivo sazonal. Isso ocorre porque a luz solar influencia muito na serotonina e na melatonina, que são neurotransmissores que regulam o humor e o ritmo circadiano.
— Um outro ponto bem importante é a deficiência de vitamina D. Sabemos que a luz solar é uma fonte importante de vitamina D, que desempenha um papel fundamental na saúde cerebral, então os níveis baixos são associados a distúrbios de humor — acrescenta Mariana.
Outros impactos
Ana Sfoggia, psiquiatra do Hospital São Lucas e coordenadora de saúde global da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), esclarece que os eventos extremos, como enchente, fumaça e chuva preta, podem causar outros impactos diretos e indiretos na saúde mental. A especialista ressalta que os fenômenos ocorreram em um curto período e que as pessoas já estavam psicologicamente abaladas pelos efeitos da chuva no Rio Grande do Sul.
Os reflexos diretos estão relacionados às partículas poluentes que veem das queimadas, ficam no ar e são aspiradas pelas pessoas. Conforme a especialista, questões psiquiátricas e psicológicas, como ansiedade, depressão, transtornos de humor e psicóticos, transtorno de estresse pós-traumático e comportamento suicida estão dentro desses impactos:
— São efeitos diretos dos agentes no cérebro pelo efeito biológico que eles trazem para o sistema nervoso central. Ainda se precisa de estudos para entender bem o que ocorre no cérebro, no efeito direto, mas parece que tem a ver com alterações estruturais e funcionais e neuroinflamação, o efeito direto da partícula e do que vem junto com a fumaça lá no cérebro.
Alguns estudos mostram ainda que o aumento do nível da poluição do ar pode levar crianças que já têm alguma condição de saúde mental a precisarem de mais suporte psicológico e até a buscarem a emergência psiquiátrica. Ana aponta que pesquisas de neuroimagem também estabeleceram a possibilidade de relação com a demência, caso haja exposição ao longo da vida, já que causa alteração estrutural e funcional do cérebro.
— À medida que temos mais efeitos, mais mudanças e desastres climáticos, podemos ter, ao longo do tempo, várias exposições. Tivemos uma exposição recente e agora estamos tendo outra. E aí começa a acumular os efeitos disso no cérebro — destaca.
A psiquiatra ressalta que o surgimento de transtornos mentais é multifatorial e que temos todos os fatores necessários para isso:
— Temos múltiplas tragédias climáticas em sequência, temos baixa exposição ao sol, temos partículas proveniente das queimadas na fumaça, que entram pelo pulmão para a corrente sanguínea e chegam ao cérebro. E ainda o medo de uma nova tragédia, e aí as pessoas estão se perguntando: “qual é a próxima coisa?”. É uma ansiedade climática.
Como lidar
Para lidar com a situação, as especialistas enfatizam que é importante buscar uma rede de apoio, ajuda psicológica, conversar sobre o assunto e obter informações e recomendações corretas, vindas de autoridades e órgãos oficiais que falem do tema com propriedade. Notícias falsas ou incorretas podem acabar gerando mais estresse e ansiedade, aponta Ana.
— Acho que o senso de comunidade também é um antídoto para essa sensação que temos de estarmos sozinhos, de não termos ninguém olhando para nós. Isso nos ajuda a adotar uma coisa que é a resiliência climática. Também é importante ficar consciente do que podemos fazer, das ações individuais e coletivas para diminuir as emissões de gases do efeito estufa. É uma coisa de prevenção — aponta a psiquiatra.
Mariana indica que estabelecer horários para dormir e acordar ajuda a regular o ritmo circadiano quando a luz solar é limitada. Recomenda ainda que as pessoas façam exercícios físicos sempre que possível durante o dia, mas reforça que, neste momento, é melhor evitar atividades ao ar livre.
— Se tiver alguma deficiência diagnosticada de vitamina D também é importante repor ou suplementar. E há técnicas de manejo, como respiração, relaxamento, mindfulness para lidar com essa ansiedade — acrescenta a psicóloga.