Em tratamento contra uma miocardiopatia genética que enfraquece o coração, Fernanda Assmann, analista acadêmica, deu à luz Henrique, em abril deste ano. A gravidez durou sete meses, dos quais quatro foram passados internada no hospital. Um mês depois, em meio à enchente de maio no Rio Grande do Sul, Fernanda recebeu o implante de um dispositivo no coração, uma espécie de bomba que ajuda o sangue a circular.
— É uma mistura de sentimentos: de gratidão por ter ele comigo, bem, saudável. E por saber que eu tive uma oportunidade — relata a mais nova mãe.
Nadine Clausell, cardiologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, explica a singularidade do tratamento:
— Regularmente, esse projeto funciona com os pacientes indo até São Paulo. Até então, foi assim que nós trabalhamos. Essa foi a primeira vez que veio o aparelho juntamente com o membro da equipe — disse Nadine, ressaltando que o transporte de Fernanda seria de "altíssimo risco".
Ainda de acordo com a médica, outro ponto levado em consideração foi a "condição logística do Estado" após o desastre climático. A família de Fernanda foi severamente afetada pela enchente em São Leopoldo e teve a casa completamente alagada.
O dispositivo foi financiado por um projeto do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo. Conforme o diretor do setor de Cardiologia, Roberto Kalil, "é um aparelho caro" e "não está disponível no SUS para o tratamento de rotina".
Redução de transplantes no RS
A situação da enchente no RS resultou em uma redução significativa na média de transplantes. Na Santa Casa de Porto Alegre, a queda foi de 70% no número de transplantes em maio. Em junho, houve uma leve melhora, mas a retomada total depende da reabertura do Aeroporto Internacional Salgado Filho.
Sandra Coccaro, chefe da Divisão dos Transplantes do RS, relata os desafios enfrentados pela Central de Transplantes neste período:
— Nós temos ofertas nacionais e estaduais, que a gente distribui esses órgãos no Rio Grande do Sul. Em torno de 40% são ofertas nacionais, que vêm do Brasil inteiro — conta.
A complexidade logística foi tanta que o aeroporto de Florianópolis passou a ser um ponto crucial para a chegada dos órgãos, com veículos fazendo o transporte até a divisa do Rio Grande do Sul, onde eram então recolhidos e levados para o destino final.
— Já nem se entrevistava a família (do paciente) porque sabia que não ia conseguir trazer (o órgão) para Porto Alegre ou para outro lugar que fizesse o transplante. Sabia que tinha notificações, pode-se falar que são notificadas, mas não se entrevistava a família porque não tinha condições — revelou Valter Duro Garcia, conselheiro da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos e coordenador de transplantes da Santa Casa.