Aprovado pela agência reguladora americana na terça-feira (2), o medicamento donanemabe é considerado um avanço para o tratamento da doença de Alzheimer. No entanto, a droga capaz de retardar a progressão da enfermidade nos pacientes em estágios iniciais não é um consenso entre os especialistas da área. Há quem defenda seu uso, quem considere a necessidade de mais testes e estudos, e quem pondere a viabilidade do tratamento pelo sistema público de saúde, devido ao valor.
Fabricado pela farmacêutica Eli Lilly e comercializado com o nome Kisunla, o medicamento teve seu uso aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), mas não há previsão para sua chegada no Brasil. A empresa informou que a droga foi submetida para avaliação regulatória da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em outubro de 2023 e que aguarda a conclusão do processo. O órgão brasileiro afirmou à reportagem que o processo segue “os trâmites de discussão técnica com a empresa, por meio do procedimento de requerimento de informações”.
Liana Lisboa Fernandez, neurologista e coordenadora do Laboratório de Demências da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, explica que a doença de Alzheimer se caracteriza pelo depósito de duas proteínas no cérebro: o peptídeo beta-amiloide e a proteína tau hiperfosforilada. A doença progride lentamente da fase assintomática até quadros demenciais — quando apresentam déficits cognitivos que geram um prejuízo funcional.
— Às vezes, a pessoa tem grande quantidade de beta-amiloide no cérebro, mas não tem sintomatologia correspondente. Na tau hiperfosforilada, quanto maior a quantidade de proteína, mais sintomas cognitivos a pessoa terá. E a ideia é que, tirando o beta-amiloide, se consiga prevenir a doença ou melhorar os sintomas. Foram sendo desenvolvidas várias drogas com este intuito. As primeiras retiraram o depósito de beta-amiloide, mas causaram muitos efeitos colaterais, inclusive fatais. Pesquisas seguiram tentando o aperfeiçoamento das drogas em busca de menos efeitos colaterais e melhora dos sintomas.
O donanemabe é uma dessas drogas que tem como alvo o beta-amiloide. De acordo com a especialista, ele obteve sucesso na retirada da proteína e na melhorara dos sintomas, com poucos efeitos colaterais, em um grupo selecionado de pacientes em fases iniciais da doença. Coordenador de pesquisa do Centro da Memória do Hospital Moinhos de Vento, Wyllians Borelli também ressalta que esse é o primeiro remédio que se mostrou eficaz na redução da progressão do Alzheimer, o que torna o cenário muito otimista.
O problema, na visão de Liana, é que a população estudada estava em fases muito inicias e com características genéticas específicas, o que limita o uso da droga na maioria dos pacientes com a doença.
O novo medicamento é uma substância injetável que deve ser administrada uma vez por mês. A fabricante sugere que há evidências que indicam que a terapia pode ser interrompida quando as placas são removidas, o que geraria menores custos de tratamento e a necessidade de menos infusões. De toda forma, nos Estados Unidos, o custo da terapia será de U$ 12,5 mil (cerca de R$ 71 mil na cotação atual) para seis meses de tratamento e U$ 48,6 mil (R$ 277 mil) para 18 meses, de acordo com a Eli Lilly.
— Para um país pobre como o nosso, devemos aguardar um pouco mais e avaliarmos o custo-benefício, porque já usamos medicamentos sintomáticos, que não retiram o beta-amiloide e apresentam melhora clínica semelhante. Claro que sempre é uma evolução do ponto de vista científico, mas não é a resposta definitiva — pondera a neurologista da Santa Casa.
Borelli concorda que também há questões de contexto social, demográfico e médico, e enfatiza que a redução dos sintomas é de quatro a sete meses, e não para o resto da vida, a um custo muito alto — até mesmo para os americanos. Conforme o especialista do Hospital Moinhos de Vento, existe ainda um custo médico, já que alguns pacientes tiveram morte associada ao uso e outros desenvolveram efeitos adversos:
— É uma decisão que precisa ser tomada junto com o paciente. Acredito que nem todo mundo se beneficie. Existem alguns casos precoces, mais antecipados, que se beneficiam com o uso. Mas, aqui no Brasil, o exame de diagnóstico biológico custaria muito caro, além dos custos com medicamento e importação.
O coordenador de pesquisa do Centro da Memória destaca que o estudo dura poucos anos e que o paciente sobrevive mais tempo, então o quadro pode ter alterações com o passar dos anos. Contudo, enfatiza que há evidências de que o medicamento funciona, embora não seja uma solução definitiva para a doença.