O desenvolvimento de implantes para o cérebro humano ganhou força no debate mundial com a Neuralink, do bilionário Elon Musk. Em janeiro, a empresa informou ter feito a sua primeira colocação de um chip cerebral em um ser humano. Conforme os cientistas, a tecnologia quer ajudar pacientes a recuperar parte de funções comprometidas, como a fala, o movimento e a visão.
O implante, chamado de "Telepatia", processa e transmite sinais eletrônicos para computadores e celulares. Ele tem o tamanho de cerca de cinco moedas empilhadas e é necessário abrir o crânio do paciente para implantá-lo.
Segundo especialistas consultados por Zero Hora, a busca não é nova e a medicina já reúne exemplos de dispositivos do gênero usados no tratamento dos sintomas de doenças. Segundo eles, a complexidade cerebral faz com que o desenvolvimento da tecnologia seja lento e haja a busca por intervenções menos danosas ao órgão.
Brasileiro é referência na área
Miguel Nicolelis, neurocientista e professor emérito da Duke University, Estados Unidos, dedica-se ao estudo interface cérebro-máquina há mais de 20 anos. Para ele, o trabalho desenvolvido pela Neuralink não é inovação e atrapalha o avanço na área.
— Usamos chips em macacos desde o começo dos anos 2000 e fizemos os primeiros implantes em seres humanos durante procedimentos cirúrgicos para Parkinson em 2004. A Neuralink foi fundada por ex-alunos meus e pessoas que saíram do meu laboratório. Ele (Elon Musk) é um especulador que não tem conhecimento técnico — pontua.
O brasileiro lidera o Nicolelis de Estudos Avançados do Cérebro, que atua para disseminar opções não-invasivas na interação cérebro-máquina, ou seja, que não precisam ser implantadas no órgão. Podem ser beneficiados pacientes que tratam doenças neurológicas e medulares – Parkinson, paraplegia, derrame e depressão são exemplos. A tecnologia desenvolvida pelo brasileiro é uma “touca” – que lembra a utilizada por nadadores – na qual há sensores.
— Ela registra a atividade elétrica cerebral no contato com o couro cabeludo, sem precisar penetrar dentro do cérebro. Demonstramos que o uso dessa interface levou a uma melhora neurológica parcial. Há pacientes que começaram a recuperar movimentos e a sensibilidade do corpo abaixo da lesão — cita.
A tecnologia ficou conhecida porque um paciente paraplégico deu o primeiro chute da Copa do Mundo de futebol de 2014, no Brasil, com o exoesqueleto desenvolvido pela equipe do pesquisador brasileiro.
Como são as intervenções no cérebro disponíveis hoje
A estimulação do nervo vago (VNS, na sigla em inglês) – um dos mais importantes nervos do corpo humano – é uma das formas utilizadas pela medicina para influenciar o comportamento cerebral. A abordagem, porém, não é feita por meio de uma cirurgia na cabeça: o nervo vago é conectado a um fio, que é ligado a um dispositivo instalado no tórax.
No Brasil, a técnica é aplicada no tratamento da epilepsia, distúrbio que causa convulsões devido à atividade excessiva e anormal das células nervosas do cérebro. A estimulação é indicada para pacientes que têm crises mesmo com a medicação adequada.
— A epilepsia é uma doença em que há uma desregulação no sistema nervoso central. A modulação do nervo vago com o aparelho envia sinais ao cérebro, como pequenos choques, que fazem com que seja menor a intensidade da crise ou a tendência a ter convulsão — explica Carolina Torres, neurologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
O procedimento pode ser feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Pacientes com depressão resistente também podem ser beneficiados; os primeiros implantes do gênero ocorreram no país em 2023. Pesquisas indicam que a estimulação do nervo pode contribuir para a melhora dos sintomas.
— Não é para tratar comportamentos variados de pessoas sadias, e sim para o tratamento de doenças mentais graves, de pacientes que não respondem às medidas não-intervencionistas, remédios ou psicoterapia — esclarece Paulo de Abreu, psiquiatra do Hospital Moinhos de Vento.
Segundo Abreu, a colocação de um estimulador cerebral profundo (DBS, na sigla em inglês) também ajuda pacientes com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). O DBS funciona como um marcapasso cerebral, que envia impulsos elétricos a determinada parte do encéfalo. O dispositivo é também utilizado no tratamento do Parkinson, como auxiliar na redução de bradicinesia (lentidão), a rigidez e o tremor.
— Esses implantes trazem alívio sintomático, da mesma forma que as medicações que aumentam a quantidade de dopamina no cérebro, e melhoram os sintomas motores. Não é um tratamento curativo, mas traz benefícios significativo aos pacientes quando bem indicada — explica Arlete Hilbig, chefe do Serviço de Neurologia e coordenadora do Núcleo de Doença de Parkinson e Distúrbios do Movimento da Santa Casa de Porto Alegre.
Segundo a especialista, a busca por resolver problemas de pacientes com intervenções no cérebro tende a demorar por conta da complexidade do órgão, mas é uma área em expansão.
— É preciso separar o que já sabemos que traz benefício, como é o caso do Parkinson, do que ainda é experimental. Há toda uma área de experimentos em andamento, mas elas precisam de tempo e estudos. Por isso, o processo é lento: isso é importante para que tenhamos conhecimento e consistência das pesquisas — comenta.