Por três segundos na última quinta-feira, Juliano Alves Pinto, 29 anos, apresentou às câmeras um projeto de R$ 33 milhões: o exoesqueleto que permitiu o jovem paraplégico dar o pontapé inaugural da Copa do Mundo. Se ao projeto do neurocientista Miguel Nicolelis não faltaram críticas, o paciente não economiza elogios ao experimento.
- Aqueles que criticam são pessoas sem informação sobre o projeto - defendeu Juliano na manhã desta segunda-feira em entrevista a Zero Hora.
Questionamentos ao experimento científico se baseiam na dimensão da demonstração frente à grandeza da promessa, classificada quase como um milagre: munido de uma veste robótica, um paraplégico levantaria de uma cadeira de rodas, caminharia até o gramado do Itaquerão e chutaria uma bola acionando apenas a força do pensamento. Não foi o que ocorreu.
- O tempo foi muito curto para que isso acontecesse - constatou o jovem.
O uso do exoesqueleto representou mais um aprendizado na vida do morador de Gália - cidade de 7 mil habitantes a cerca de 400 quilômetros da capital paulista. Há 7 anos e meio, ele perdeu o movimento das pernas ao fraturar a coluna em um acidente de trânsito - no qual perdeu um irmão de 27 anos. Sob a nova condição em cima de uma cadeira de rodas, teve de readquirir as habilidades comprometidas:
- Minha vida mudou. Antes eu conseguia fazer as minhas coisas e, de repente, precisava das pessoas para me ajudar. Tive de reaprender a fazer tudo sozinho. Hoje, levo uma vida praticamente independente, dirijo, pratico esportes, me troco, tomo banho.
Passados os segundos de fama e a repercussão posterior à abertura do Mundial - na sua cidade, foi recebido com carreata -, Juliano retoma a rotina habitual. Ainda nesta semana, participa de um campeonato que representa uma das suas motivações: o atletismo. Para o futuro, ele busca ajuda para a compra de uma nova cadeira de corrida para participar de torneios e, quem sabe, acumular pontos para se tornar profissional. Paralimpíadas em mente?
- Sonho sim. Não perco as esperanças, nunca - diz o galiense.
Confira os principais trechos da entrevista que o jovem concedeu a Zero Hora, por telefone, nesta segunda-feira:
Como ocorreu a seleção para participar do projeto Andar de Novo e da abertura da Copa?
Sou paciente da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) de São Paulo, onde o projeto já estava acontecendo e onde estavam sendo selecionados alguns pacientes. Há uns seis meses, surgiu o convite para mim e eu aceitei. Ao todo, foram selecionados 10 pacientes, oito continuaram e três foram pré-selecionados para fazer a demonstração na Copa, mas todos os outros estavam preparados para usar o exoesqueleto. Depois veio a notícia, faltando uns quatro dias para o evento, que eu fui o escolhido.
Qual foi a sensação quando você recebeu a notícia?
Fiquei muito feliz não só por estar fazendo parte do projeto e representando todos eles, mas representando todos que também têm uma deficiência como eu e sonham, um dia, ter um bem-estar melhor para a sua vida. Creio que toda essa parte da ciência vem para nos ajudar, é um bem-estar a mais para a pessoa.
Como foi a preparação e o treinamento para o projeto?
Estávamos cercados de grandes profissionais não só na parte da ciência, mas também fisiatras, fisioterapeutas. Deu tudo certo. Eu saía de Gália de madrugada, chegava em São Paulo às 8h, ficava o dia todo em treinamento e voltava para a casa.
Juliano participa de campeonatos de corrida e, agora, está em busca de uma nova cadeira especial para o esporte
Foto: Arquivo pessoal
Por que você foi o escolhido?
Eu estava mais preparado para o dia da Copa. Não que os outros não estivessem, mas eu me enquadrava melhor no perfil que eles procuravam.
Qual foi a sensação ao vestir o exoesqueleto?
Posso dizer por mim e acho que pelos outros pacientes que também tiveram a oportunidade de andar no exoesqueleto que é muito bom. Você está em uma cadeira de rodas e, por mais que ela permita que você se locomova normalmente mesmo sem ter a mobilidade das pernas, você poder trocar alguns passos novamente, é um grande ganho. No meu caso, depois de sete anos e meio, o exoesqueleto trouxe isso de volta. É algo muito satisfatório, de muita alegria, você novamente poder fazer algo que perdeu lá atrás.
Foi como caminhar novamente?
A sensação, sim. Creio que isso depende, também, da gente começar a se adaptar mais... mas, poxa, é uma sensação bem real, mesmo.
Pelo sua sensação, será possível, no futuro, trocar a cadeira de rodas pelo exoesqueleto?
Creio que sim. Durante esse pouco tempo que acompanhei o doutor Nicolelis e sua equipe, percebi que eles têm um grande potencial para que isso venha a acontecer. Mesmo que haja críticas, que as pessoas não acreditem, estando ali e presenciando o projeto, creio que isso será possível, sim.
Inicialmente, a expectativa era que você levantaria da cadeira de rodas, caminharia até a bola e a chutaria. Não foi o que aconteceu. Como você avalia o resultado da experiência?
Como o próprio Miguel Nicolelis abordou, o tempo foi muito curto para que isso viesse a acontecer. A gente se enquadrou dentro de um roteiro da Fifa. Muita gente questionou por que fizemos o que fizemos na abertura também nos ensaios, mas foi porque o tempo era aquele. Para a gente fazer tudo isso (levantar, caminhar e chutar), teríamos que ter um tempo maior, não tinha como. É como o doutor Nicolelis falou, não existe na história uma demonstração da parte robótica dessa maneira em 29 segundos. Conseguimos fazer em 16 segundos, e menos apareceu na mídia. Então, a gente se enquadrou no padrão que nos passaram, fizemos aquilo para obedecer o tempo que chegou até nós. Não que a gente tenha fugido do que foi dito, mas nos adequamos dentro do tempo que tínhamos.
Então pode-se dizer que foi um sucesso?
Com certeza. Foi um marco, algo que entrou para a história.
Apesar da ampla divulgação do projeto, o chute ganhou apenas três segundos na televisão. Você ficou chateado com a pouca visibilidade dada no momento?
Eu não tinha conhecimento que havia sido transmitido em tão pouco tempo. Quando comecei a acompanhar vi que, realmente, foi pouco mesmo. Mas, depois, foi amplamente abordado, a mídia trouxe bastante o assunto, mas acho que poderia, sim, ter se dado um tempo maior para a apresentação, ter focado mais. Não sei se posso dizer que fiquei triste, mas posso dizer que gostaria que tivesse sido dado um tempo maior.
Críticos ao neurocientista Miguel Nicolelis disseram que o projeto foi um fracasso. O que você tem a dizer a eles?
Aqueles que criticam são pessoas sem informação sobre o projeto. Eles se baseiam no que pensam, mas eu creio que, se essas pessoas estivessem vivenciando o que os pacientes viveram durante todo esse tempo, tenho certeza que os pensamentos e argumentos seriam diferentes. Não tem como você falar de uma coisa que você não conhece, como dizer que o produto é bom se você não conheceu e não sabe detalhes. Então, eu creio que essas pessoas não têm informações corretas acerca do que está acontecendo.
O que mudou na sua rotina desde quinta-feira passada?
Estou procurando viver uma rotina normal. Agora, vou voltar a treinar e quero levar a minha rotina normal. O que mudou foi aparecer bastante na mídia, foi um assunto que ficou bastante visto, mas acho que isso não tem me atrapalhado. O que eu quero fazer é deixar as coisas bem claras, não me esconder, e estar disposto a esclarecer o projeto também.
Quais são seus planos?
O projeto continua, e estou buscando a minha classificação nos jogos de atletismo que participo. Tenho o sonho de conseguir um equipamento melhor, uma cadeira de corrida, para disputar e conseguir um índice para um nacional ou até um mundial. No Brasil não se acha, apenas com representantes, e o preço vai lá em cima porque é uma cadeira importada.