As evidências mostram que, no Brasil, muitas cesáreas previstas para ocorrer em meio ao feriado de Carnaval são antecipadas ou postergadas. Pesquisadores do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa investigaram os efeitos dessa manipulação da data do parto na saúde dos bebês. Os resultados foram divulgados este mês no periódico Health Economics.
A postergação de partos, mostra o artigo, gera aumento na idade gestacional e uma redução na mortalidade neonatal. Já a antecipação reduz a idade gestacional e o peso ao nascer dos bebês – sobretudo daqueles de gestações de alto risco e da parte inferior da distribuição de peso ao nascer.
Em termos líquidos, as festividades de Carnaval, na média, aumentam o tempo gestacional em 0,06 dia e reduzem as taxas de mortalidade neonatal e de mortalidade neonatal precoce em 0,30 e 0,26 por 1 mil nascidos vivos, respectivamente. O estudo foi realizado por Carolina Melo e Naercio Menezes Filho, ambos economistas e professores do Insper.
— Nossa pesquisa mostrou que existe, sim, uma extensa manipulação das datas dos partos em função do feriado de Carnaval. Isso acontece por meio do deslocamento de cesarianas programadas e envolve, principalmente, mulheres menos vulneráveis, de maior nível educacional — diz Carolina.
A pesquisadora aponta que a tendência entre mães de nível educacional mais alto é a antecipação dos partos, para que estes não venham a ocorrer durante o feriado. Mas esse tipo de providência, que privilegia o conforto da parturiente e do médico, encurta artificialmente o período de gestação, podendo colocar os bebês em risco.
— Quando, por vários motivos, os nascimentos não podem ser antecipados por meio de cesarianas, as gestantes acabam esperando um pouco mais e muitas entram em trabalho de parto naturalmente e acabam tendo partos vaginais. As análises mostram que isso pode levar a resultados melhores em termos de maturidade gestacional e sobrevivência neonatal — afirma a economista.
E acrescenta que um aumento líquido de 3,5 dias no tempo gestacional dos partos cujas datas foram manipuladas pode levar a um ganho de peso de 60 gramas. Na verdade, como partos antecipados e postergados entram nessa conta, Carolina diz que é provável que os efeitos positivos em tempo gestacional e peso ao nascer para os partos postergados sejam até maiores.
A pesquisadora alerta que, se a postergação de partos devido a um feriado é capaz de mexer em um indicador tão extremo como mortalidade neonatal, é provável que o comum seja os nascimentos ocorrerem muito cedo no país – fato associado à antecipação de partos por meio de cesáreas eletivas – , e os bebês nascerem com condições de saúde piores do que eles poderiam nascer caso as gestações fossem prolongadas.
Como destaca a pesquisadora, nos hospitais totalmente privados do Brasil (que não atendem SUS), 86% dos partos são cesarianas. O índice é muito mais elevado do que a média nacional, de 55%, que já é altíssima. Vale lembrar que a proporção de partos cesarianos recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de até 15%. E que, com seus 55%, o Brasil ocupa a segunda posição no ranking mundial, depois da República Dominicana (58,1%).
Embora a pesquisa em pauta tenha fechado seu foco no período do Carnaval, a pesquisadora acredita que a tendência de antecipar artificialmente as datas dos partos é mais geral, e não se restringe aos feriados.
— Enquanto a OMS recomenda um período gestacional mínimo de 39 semanas, a média brasileira é de 38,5 semanas. Isso significa que muitos bebês estão nascendo antes do tempo seguro — diz.
O estudo enfatiza a necessidade de políticas públicas que restrinjam a antecipação de partos sem justificativas médicas, para minimizar os riscos associados a nascimentos prematuros e baixo peso ao nascer.
A pesquisa recebeu apoio da FAPESP, por meio de Bolsa de Pós-Doutorado concedida a Carolina Melo, e do Centro Brasileiro para o Desenvolvimento na Primeira Infância (CPAPI), um Centro de Pesquisa Aplicada (CPA) coordenado por Menezes Filho e constituído em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.