Em 2023, a maioria das mães de Passo Fundo optou pela cesárea no parto de seus filhos. De 2.598 partos ocorridos no município, 64% foram cesarianas e 35% normais. Os dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Saúde seguem uma tendência estadual e uma cultura enraizada no Brasil há pelo menos 14 anos, quando a proporção de cesarianas superou os partos normais em 52%.
Os dados municipais, estaduais e nacionais ficam muito acima do indicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que recomenda que apenas 15% dos partos sejam cesáreas. Essa cultura é fomentada no Brasil, que desde 2011 está entre os líderes mundiais no número dessas cirurgias. Em 2011, quando o país assumiu o primeiro lugar no ranking, a OMS classificou o aumento da prática como uma "epidemia".
Entre os fatores que podem contribuir para o alto número estão questões não-clínicas, como o medo da dor, a falta de conhecimento da mulher e aconselhamento médico. Quando os motivos são clínicos, incluem gestações de risco ou cesáreas anteriores, que impede a realização do parto normal.
O que influencia na escolha
Desde o resultado positivo no teste de gravidez até o nascimento do bebê, são inúmeras as questões que influenciam as mães na decisão sobre o tipo de parto. Durante estes nove meses, fatores culturais, obstétricos e socioeconômicos são apresentados às grávidas, levando-as a decidir entre um e outro.
A enfermeira obstétrica e professora de Enfermagem da Universidade de Passo Fundo (UPF), Isabel Zamarchi Lanferdini, classifica esta sequência de fatores como a "cultura do medo", que auxilia a moldar a preferência das mulheres há gerações.
— Estudos mostram que a porcentagem da escolha por parto normal é maior no início do pré-natal, mas vai mudando no decorrer da gestação. É uma questão de orientação profissional, alinhada às perspectivas sociais baseadas em não-evidências científicas, de como é fisiologicamente o parto — explica Lanferdini.
Sobre o grande número em Passo Fundo, a médica coordenadora do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), Giovana Paula Bonfantti Donato, observa o fato da cidade ser referência para gestação de alto risco. Segundo ela, nestes casos mais complexos há a recomendação pela cesárea.
Outro fato que chama a atenção da médica é o grande número de pacientes que chegam com histórico de cesarianas, o que contraindica o parto normal.
— Nos casos com doenças associadas tanto da mãe quanto do bebê, aumenta a necessidade de cesariana. Na rede privada, o número é bem maior, chegando até 90%, e uma das razões são as cesarianas a pedido das pacientes. Já no SUS, em especial no HSVP, a taxa de cesáreas é de cerca de 55%.
Por que o ideal seria apenas 15% de cesáreas
Mais indicado para o bebê e para a mãe, o parto via vaginal e sem intervenções de medicamentos tem como principal benefício a redução de riscos de prematuridade e de problemas respiratórios. Para a gestante, são menores os riscos de hemorragia.
— A cesárea é uma cirurgia e por isso tem mais risco. No normal, o parto ocorre quanto o bebê está fisiologicamente pronto pra nascer. O corpo libera hormônios e entra em processo de trabalho de parto. Fora que descida do bebê pelo canal vaginal auxilia na questão respiratória, também reduzindo riscos — explica a enfermeira Isabel.
Tanto Isabel quanto Giovana dizem que enxergam um movimento pelo "parto humanizado" no país, disseminado principalmente pelas redes socais. Ainda que a adesão seja baixa, a ginecologista relata que é perceptível o aumento da procura e conscientização das mulheres pelo parto natural. Apesar da maioria ainda optar pela cesárea, cada caso precisa ser analisado individualmente:
— Não é tão simples pensar em qual via de nascimento é a melhor. A melhor forma vai ser a que trouxer segurança àquela mãe e seu bebê, naquele momento específico.
Quem opta ao parto normal, resiste ao sistema
Mesmo com números altos e a clara preferência por um tipo de parto, ainda há quem resista e consiga realizar o parto de forma natural. Uma dessas pessoas foi a professora Fernanda Lopes Bortolini, 35 anos. A escolha esteve clara desde o início da gravidez e se fortaleceu com o apoio do marido e da doula contratada pelo casal.
Mas não foi tão simples. Até o nascimento do bebê, hoje com dois anos e um mês, a família enfrentar a insistência externa pela cesariana. Já na primeira consulta, Fernanda relata que a médica obstetra sugeriu o agendamento do parto e se surpreendeu com a escolha do casal pelo parto normal.
— Foi péssimo. Mas seguimos na nossa escolha: que eu só faria cesárea se meu corpo não tivesse condições. Fiz uma escolha perfeita, respeitei o meu corpo e tive um parto sem intervenção, do jeito que eu queria. Me senti uma mulher forte, que conhece seu corpo. Não acho menos lindo quem faz cesárea, mas acho que falta informação. As mulheres não são instrumentalizadas para pensar, pois o sistema te convoca para fazer uma cirurgia agendada — finaliza.