HALMSTAD, Suécia – Maria Hussein, refugiada da guerra na Síria, já estava em trabalho de parto havia horas num hospital sueco, quando a parteira, ao perceber que o feto estava sofrendo, chamou o obstetra para ajudar.
Falando em sueco, o médico começou a dar instruções e palavras de conforto a Hussein. Oksana Kornienko, doula que trabalha como intérprete cultural para uma organização sem fins lucrativos a serviço de imigrantes grávidas, ouvia atentamente ao lado de Hussein, e traduzia em árabe as palavras do médico.
"Esse foi um típico exemplo em que tudo correu bem, sobretudo pelas explicações da doula. Acho que a presença da doula deu a ela mais coragem", disse depois Elisabeth Oskarsson, a parteira que auxiliava a mulher a dar à luz.
Na Suécia, são as parteiras que trazem os bebês ao mundo. Os obstetras e pediatras são consultados apenas se houver complicações. Mas as doulas intérpretes culturais são lá um conceito relativamente novo. Elas atuam não apenas como instrutoras de parturientes, mas também promovem a aproximação entre profissionais de saúde e imigrantes, distanciados pela linguagem, num dos momentos mais difíceis para as mulheres: o parto.
No ano passado, 28 por cento das mulheres que deram à luz na Suécia eram estrangeiras. Pesquisas indicam que imigrantes de países de baixa renda são seis vezes mais propensas a morrer por complicações ou doenças relacionadas à gravidez do que as suecas, e têm duas vezes mais probabilidade de complicações graves no parto − como choque hemorrágico, septicemia, insuficiência cardíaca e eclâmpsia severa.
A Suécia ocupa uma posição de destaque pela qualidade dos cuidados no pré-natal, mas ainda batalha para oferecer a toda mulher o mesmo cuidado na gravidez e no parto.
"Alguns dos fatores que contribuem para o alto índice de mortalidade entre algumas imigrantes incluem doenças preexistentes, como a tuberculose. Mas, na Suécia, a diferença no acesso ao serviço de saúde, o mau aproveitamento dos intérpretes e os cuidados inadequados certamente colaboram para o aumento das taxas de mortalidade", diz Annika Esscher, obstetra. "A boa comunicação é uma das melhores formas de aperfeiçoar os resultados", afirma.
As parteiras de uma clínica sem fins lucrativos em Gotemburgo foram as primeiras no país a treinar doulas intérpretes culturais há 10 anos. De lá para cá, quase 200 mulheres foram licenciadas. Em alguns municípios e cidades, seus serviços são oferecidos para gestantes que não falam sueco.
Estudos mostram que o suporte dado por uma doula habilitada pode reduzir o risco de complicações e intervenções durante o parto. Segundo Jennie Dalsmark, que começou a treinar doulas intérpretes culturais em Halmstad em 2017, as doulas também ajudam as mulheres e seus parceiros a percorrer os caminhos desconhecidos do sistema médico e dos procedimentos de rotina de um parto, bem como a se comunicar com a equipe médica.
"Sabemos que há outros riscos para a mãe e para a criança. Isso ocorre, mais que tudo, porque as parturientes não conseguem se comunicar com a equipe médica", relata Dalsmark. "Por isso é que estamos investindo numa assistência melhor e mais segura para mulheres que não falam sueco."
Kornienko, parteira com mais de 25 anos de experiência na área, estava no primeiro curso para doulas iniciado por Dalsmark em Halmstad. Ela própria uma refugiada da guerra na Síria, chegou à costa sudoeste da Suécia em 2014, meses antes de Hussein.
No início, enfrentou incertezas quanto a seu futuro profissional. Kornienko aprendera árabe 22 anos antes, quando se mudou da Rússia, sua terra natal, para a Síria; mas sabia que na Suécia não seria fácil. Enquanto seus três filhos se adaptaram rapidamente ao novo país, Kornienko, aos 50, teve de ir às aulas de sueco obrigatórias para imigrantes.
Dois anos depois, uma colega de classe lhe disse que a agência de empregos local estava procurando mulheres interessadas em trabalhar como doulas intérpretes culturais. Um pré-requisito era falar línguas estrangeiras. Ela se candidatou imediatamente. Agora, Kornienko está estudando enfermagem, um pré-requisito para ser parteira na Suécia.
"Não posso simplesmente ficar em casa estudando", diz ela. "Para os recém-chegados, é difícil começar a trabalhar na Suécia sem falar o idioma. Mas temos experiência e falamos outras línguas."
No hospital regional de Halmstad, cerca de 140 km ao sul de Gotemburgo, o número de partos atingiu o máximo em 2015, no auge do afluxo de imigrantes vindos das zonas de conflito. Naquele ano, entraram no país mais de 160.000 refugiados e pessoas em busca de asilo.
"De repente, gestantes começaram a aparecer no setor de emergência", afirma Annika Bengtsson, parteira nesse hospital. Por isso, havia pouco ou nenhum tempo para coletar um histórico médico completo dessas mulheres.
"O maior obstáculo era a barreira do idioma", diz Nilantika Adin, parteira na unidade. Os hospitais das cidades grandes dispunham de intérpretes na sala de parto, enquanto os hospitais regionais tinham de consultá-los por telefone. "Mas nem todas as pacientes ficam à vontade com gente estranha."
"Um aspecto importante no trabalho das doulas é assegurar os direitos da mulher sobre o próprio corpo antes, durante e após o parto", afirma Ulrica Askelof, que prepara doulas para assistir as imigrantes em Estocolmo.
Muitas dessas mulheres não esperam que alguém lhes pergunte o que desejam. "Nos lugares de onde vieram, as mulheres não podem ter acompanhante na hora do parto", explica. "Não podem gritar de dor. São informadas de que, se o fizerem, serão espancadas. Dói ouvir isso. Quando a mulher sente medo, a oxitocina necessária para a evolução do parto não flui."
Por outro lado, as chances de que tudo corra bem são muito maiores quando os membros da equipe são atenciosos e ouvem a parturiente, diz Askelof.
"Elas oferecem muito mais assistência do que eu como parteira, pois estou sempre entrando e saindo da sala de parto. A doula fica ali o tempo todo", afirma Magdalena Nilsson, uma parteira que trouxe ao mundo muitos bebês com a presença de uma doula intérprete cultural.
Hussein diz que, quando deu à luz seu primeiro filho, em 2016, e teve de se submeter a uma cesariana de emergência num hospital da Suécia, contou apenas com a ajuda de seu marido, Abdulhanan Mohamed.
Mohamed, como Hussein, havia fugido de Kobani, no norte da Síria, quando a cidade foi invadida pelo Estado Islâmico. Os dois se conheceram e se casaram em Halmstad, onde moram num apartamento de um quarto.
Mas quando engravidou do segundo filho, em 2018, ela esperou pelo nascimento sabendo que a doula Oksana Kornienko estaria o tempo todo a seu lado para ajudá-la.
Na manhã de 26 de novembro, quando a bolsa d'água de Hussein se rompeu, ela chamou Kornienko e foram juntas ao hospital.
Na antessala de parto, Kornienko vestiu o uniforme e pôs-se a trabalhar. Fez uma massagem nas costas de Hussein, trouxe-lhe um acolchoado térmico, caminhou com ela e ofereceu-lhe suco. Enquanto isso, Mohamed cuidou do filho de dois anos, Dijwar, até ele adormecer no carrinho.
Pouco antes do almoço, Oskarsson, a parteira, aplicou em Hussein uma dose intravenosa de oxitocina para induzir o parto. Mohamed foi buscar uma pizza kebab para o almoço. As contrações ainda estavam muito espaçadas.
"Ainda falta um bom tempo", advertiu Oskarsson depois de examiná-la. Ao que Mohamed perguntou, preocupado: "Quanto tempo?"
Algumas horas mais tarde, a parteira encorajou Hussein a tomar uma epidural para a dor. Kornienko traduziu e Hussein concordou.
Às 20h40, com a ajuda do obstetra, Rumaf veio ao mundo, pesando quase 2,7 kg. Gritos de dor foram substituídos por boas risadas. Mohamed chorou de emoção e alívio.
"Obrigada. Obrigada", Hussein agradecia ao médico.
Pouco depois das 22h, uma enfermeira entrou no quarto trazendo uma bandeja de prata com um lanchinho leve e uma bandeira da Suécia − uma tradição seguida em todas as maternidades do país.
Passados vários dias, Kornienko fez uma visita de apoio a Mohamed e Hussein. Toda a família estava bem.
Dijwar vestia um gracioso macacão e, junto à sua mãe no sofá, Rumaf dormia enroladinho num cueiro. Mohamed serviu café com cardamomo e biscoitos. Hussein aprovou com um sorriso.
"Quando a mamãe está feliz, eu também estou", disse Kornienko.
Por Christina Anderson