O que o Rio Grande do Sul está vivendo é um trauma coletivo. Nestas horas, é comum que sentimentos como a ansiedade, a tristeza e a culpa apareçam. A forma como isso acontece varia muito, já que é possível dizer que todos, direta ou indiretamente, foram atingidos pela catástrofe climática. É preciso atacar essa questão agora – e continuará sendo necessário lidar com ela nos próximos meses. É o que garantem os especialistas.
O primeiro quadro identificado é o de estresse agudo, que acontece nos primeiros 30 dias após o evento. Depois disso, pode surgir o que é conhecido como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Ele pode aparecer até um ano depois de vivido o episódio de impacto.
— A abordagem inicial foi bem-feita. Nós temos as boas práticas humanitárias, que são a base da pirâmide, depois vem o apoio da comunidade, a atenção básica à saúde mental e, no topo, os serviços especializados — explica o psiquiatra Flávio Milman Shansis, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e da pós-graduação em Ciências Médicas da Univates.
O que se fez nos primeiros dias do maior desastre natural do Rio Grande do Sul foram os chamados primeiros socorros psicológicos, que, na avaliação de Shansis, acabaram entregues com eficiência tanto pela própria comunidade quanto pelos profissionais da saúde. Agora, chega o momento dos cuidados secundários, quando outro grupo começa a apresentar sintomas.
Período de atenção
Ainda que todas as pessoas estejam sujeitas ao trauma, é a partir de agora que muitos voluntários vão deparar com sinais como a lembrança recorrente de cenas presenciadas, o isolamento e traços como taquicardia, tontura e sudorese. Shansis conta que o TEPT costuma se manifestar em 30% a 40% das vítimas diretas de eventos como a enchente. Além disso, entre 10% e 20% dos envolvidos nos resgates e apoio aos mais prejudicados e outros 5% a 10% da população em geral também podem apresentar sinais de trauma.
— Muitas vezes a gente acaba esquecendo de cuidar dos cuidadores. Mas todo mundo, de alguma maneira, acaba envolvido. Só pelo fato de estarmos o tempo todo ligados, estamos expostos — alerta.
Juliana Moura, psicóloga do programa Viver Bem Juntos, da Unimed Porto Alegre, acredita que a maioria das pessoas passe por esse período com algum sintoma de estresse agudo. Isso fica demonstrado no corpo e no psicológico, com sinais como irritabilidade, tensão, fadiga ou dificuldade para dormir. Outro sentimento que aparece com frequência é a culpa, decorrente de uma mistura de emoções – ou justamente por achar que se deve inibi-las.
Muitas vezes a gente acaba esquecendo de cuidar dos cuidadores. Mas todo mundo, de alguma maneira, acaba envolvido. Só pelo fato de estarmos o tempo todo ligados, estamos expostos
FLÁVIO MILMAN SHANSIS
Psiquiatra
— As pessoas ficam inseguras sobre como se cuidar e se culpando por estarem tristes enquanto existem pessoas em situação muito pior. Dor a gente não compara, a gente sente. Não se compara sofrimento, mas se acolhe nessa hora. Tivemos uma ruptura muito grande da rotina, somos impactados de maneiras diferentes, mas todos sofremos esse trauma — explica.
A psicóloga também lança um olhar menos negativo sobre esse sentimento de culpa, entendendo-a como uma emoção social. Afinal, segundo ela, se a pessoa sente culpa, é porque entende que algo deve melhorar – neste caso, a única coisa que não pode acontecer é o indivíduo deixar de praticar o autocuidado.
— Quando falo em me sentir culpado, significa que tenho empatia. Se a gente olhar para a culpa de uma forma saudável, vai ajudar na conexão com as pessoas e na melhora das relações. Quando me culpo, consigo me colocar no lugar do outro e tenho impulso para ajudar de alguma forma. É o preço de a gente se importar — defende.
Para todas as idades
Cada faixa etária também tem seus respectivos impactos. As crianças e os idosos configuram grupos de maior vulnerabilidade diante do contexto de catástrofe que se tem agora no Rio Grande do Sul. Por isso, a recomendação é estar atento a como eles se comportam no dia a dia, se estão mantendo a rotina de alimentação, de sono e de cuidados básicos. No caso das crianças, a irritabilidade acentuada ou o medo muito grande em situações corriqueiras podem ligar o sinal de alerta.
Já os idosos, muitas vezes, vivem sozinhos. Estar próximo, neste caso, é conseguir acompanhar como está sendo o dia a dia, conversar sobre a rotina, para que tenham um ponto de apoio.
Juliana ressalta que as mulheres também são um grupo bastante vulnerável diante da tragédia, devido a toda a questão cultural do papel de ajudar, se envolver com tudo e carregar a obrigação do cuidado.
— Tudo isso traz uma sobrecarga muito grande e impacta na saúde mental dessa população — alerta.
Procura por acompanhamento
Diante de qualquer sinal de alerta, a busca por apoio é extremamente importante. O primeiro passo é o acolhimento, ajudando a pessoa a se sentir confortável para expressar sentimentos. A seguir, incentivar a procura por ajuda profissional com psicólogo e psiquiatra.
— Se estou percebendo mais de 15 dias, próximo de um mês, que não consigo lidar sozinho com os sentimentos, tenho momentos intensos de tristeza, ansiedade, estresse, devo buscar apoio — sugere Juliana.
Esta é a explicação mais natural para o aumento na procura por atendimento na Clínica de Psicologia Cammino, de Porto Alegre. A psicóloga e sócia-gestora Carolina Fernandes conta que a própria equipe foi impactada.
— Estamos sentindo um aumento da procura por psicoterapia, muito ligado à questão da ansiedade e um pouco de depressão também. A tristeza, o luto, a incerteza do que fazer agora — destaca.
Segundo Carolina, o que se percebe neste momento é justamente a angústia diante do desafio de reconstrução, fazendo com que cada vez mais pessoas precisem de suporte profissional. Chegam à clínica pacientes de todas as idades, alguns com dificuldades psíquicas pregressas, aguçadas pelo trauma, e outros que as enfrentam pela primeira vez.
Entre as crianças, uma das técnicas aplicadas é a família terapêutica, em que o paciente escolhe bonecos dentre uma série de brinquedos e os organiza durante a sessão, o que ajuda a trazer problemas de sua vida real e trabalhá-los de forma lúdica.
A rotina observada na Cammino vai ao encontro dos índices de TEPT levantados pelo psiquiatra Shansis. Prova de que a sociedade gaúcha e os serviços de suporte aos voluntários e à comunidade em geral devem estar mais atentos conforme as semanas avançam. O que demonstra que o cuidado com a saúde mental de voluntários e de todos os gaúchos está só começando.
Como identificar e tratar eventuais traumas
- Saber em que grupo esteve. Quanto mais próximo do evento traumático, mais chances de desenvolver TEPT e outros transtornos.
- Histórico. É importante saber e informar aos profissionais da saúde se já convivia com alguma doença psiquiátrica anterior.
- Buscar atendimento. Caso apresente sintomas, não deixe de ir até a rede pública ou privada de saúde.
Sintomas básicos do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
- Reviver a experiência traumática: pensamentos intrusivos recorrentes que remetem à lembrança do trauma. A pessoa acorda com pesadelos; vem a memória da casa cheia de água; de uma perda de pessoa ou animal etc. São flashbacks e pesadelos.
- Esquiva e isolamento social: a pessoa foge das situações que reavivam a lembrança. Evita voltar ao lugar onde aconteceu ou pensar sobre aquilo.
- Hiperexcitabilidades motora e psíquica: o indivíduo apresenta taquicardia, sudorese, tontura, dor de cabeça, problemas no sono, queda na concentração, irritabilidade e hipervigilância – constante preocupação com ameaças ou perigos, impedindo que relaxe.
Fonte: psiquiatra Flávio Milman Shansis
Soluções de atendimento
Diante da emergência climática que atingiu o Rio Grande do Sul e que trouxe reflexos para todos, a Unimed Porto Alegre conta com as seguintes soluções de atendimento:
- Agendamentos de consulta com seu médico de referência presencialmente
- Meu MédicOnline – consultas online agendadas com médicos especialistas, pelo site www.unimedpoa.com.br/telemedicina
- Pronto Atendimento Digital – plataforma de triagem virtual e encaminhamento 24 horas por dia, todos os dias da semana, para clientes acima de 13 anos. Disponível em www.unimedpoa.com.br/pronto-atendimento-digital
Atendimento on-line e gratuito para quem não é cliente Unimed e sociedade em geral:
- Acesse a teleassistência da Unimed Federação/RS e consulte: rsemergencia.unimedrs.com.br
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