Oriundo de um desequilíbrio no sistema imunológico, o lúpus é uma doença autoimune que pode causar alteração renal, afetar a pele e as articulações do corpo. A enfermidade, considerada uma das mais graves entre as autoimunes, pode ser fatal se não tratada adequadamente e decorre de reações químicas de células do sistema de defesa.
Habitualmente, o lúpus tem origem ligada a fatores hereditários. Uma falha no sistema imunológico influencia reações químicas desequilibradas por parte dos linfócitos, principal célula de proteção do organismo, que passam a atacar órgãos, tecidos e ossos saudáveis por engano, ao invés de proteger o corpo humano.
Reumatologista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e preceptor do Ambulatório de lúpus da instituição, Thiago Willers explica que fatores genéticos não causam o lúpus, mas indicam pré-disposição. Ele compara a atuação da doença com a figura de policiais.
— É como se a polícia acabasse atacando a própria sociedade ao invés de defendê-la, deixando de pegar os criminosos e fazendo mal à sociedade. A genética é um fator de pré-disposição. Se um familiar tem, o teu copo está mais cheio, com mais chances de desenvolver. Ao longo do caminho, infecções, traumas emocionais, tabagismo, sedentarismo e hábitos alimentares ruins, podem fazer este copo encher — exemplifica.
Há quatro formas do lúpus se manifestar, sendo o sistêmico o mais comum e perigoso. A doença pode acometer o sistema nervoso central, causar alterações dermatológicas e impactar o funcionamento renal. Confira as variantes do lúpus:
- Sistêmico: inflamação que atinge todo o organismo, com casos graves ou leves. Entre os órgãos atingidos estão rins, coração e pulmões
- Discoide: ocasiona lesões na pele, especialmente no rosto, caracterizadas por vermelhidão também pode causar a queda de cabelo
- Induzido por medicamentos: ocorre quando a doença surge com influência do uso de drogas ilícitas ou medicamentos, mas deixa de ser ativa quando o consumo é paralisado
- Neonatal: raro, causa lesões na pele de recém-nascidos filhos de mulheres que têm lúpus. Também pode dar origem a problemas cardíacos no bebê.
Conforme Willers, os medicamentos utilizados no tratamento da doença podem causar má-formação múltipla em recém-nascidos de gestantes com lúpus. Os bebês podem apresentar problemas de funcionamento no sistema nervoso central, membros incompletos e fenda palatina – desenvolvimento incompleto do lábio ou céu da boca. Ele orienta que mulheres que tenham a doença e desejam engravidar planejem o tratamento com um médico.
— A malformação acontece pelas medicações, mas a doença transforma a gestação em uma gestação de alto risco. Porque a paciente pode ter complicações gestacionais decorrente do lúpus. Pode ter risco maior de aborto, de pré-eclâmpsia ou eclâmpsia, do feto nascer precocemente — salienta.
Sinais e diagnóstico
Considerada uma das doenças de diagnóstico mais complicado, o lúpus tem sinais característico e que necessitam de muita atenção. Quando expostas ao sol, pessoas com a doença costumam apresentar vermelhidão muito rápida e incomum na pele. Há outros dois sinais característicos, além da queda de cabelo:
- Mordida do lobo: lesões na pele com o formato similar ao de uma mordida de lobo
- A asa de borboleta: vermelhidão no rosto, especialmente com formato arredondado nas bochechas e na haste do nariz
O diagnóstico do lúpus decorre de uma combinação de exames somada aos sintomas descritos pelo paciente.
— Verificamos lesões na pele, alteração no cabelo, observamos se tem alguma alteração psiquiátrica e psicológica, que também pode ter influência do lúpus, avaliamos o funcionamento dos rins, alterações nas células do sangue. Um conjunto destas alterações clínicas, manifestações do organismo, pode indicar o diagnóstico da doença — explica Willers.
O reumatologista alerta que é preciso ter atenção com o exame de testagem da quantidade de anticorpos da célula FAN (Fator AntiNucleo), presente na corrente sanguínea. Segundo ele, pesquisas rápidas na internet indicam que o teste positivo no exame estaria relacionado ao diagnóstico de lúpus, o que Willers alerta que pode ser um indicativo, mas apenas se somado a outras questões clínicas.
— Pessoas que não têm doença reumatológica podem ter esse FAN positivo, então a gente tem que ter esse cuidado. Tem outros exames que auxiliam no diagnóstico, claro, que somados a outros testes como o anti-Smith, C-13 e C-14. A combinação de pelo menos uma quantidade destes sintomas e exames leva ao diagnóstico claro do lúpus.
Tratamento
A base do tratamento contra o lúpus consiste no uso de medicamentos imunossupressores, que controlam o funcionamento do sistema imunológico. A medicação mais importante é a hidroxicloroquina, que atua contra lesões na pele, diminui dores articulares, previne sequelas, auxilia o metabolismo e melhora o desempenho de outras medicações.
— A gente tem que tirar essas defesas ruins do nosso organismo, para que parem machucar nosso corpo. Claro que os medicamentos não serão tão seletivos e vão afetar células boas, não é possível eliminar apenas os "policiais ruins". Muito falada na pandemia da covid-19, a hidroxicloroquina é a principal medicação de combate ao lúpus, é fundamental, temos que deixar isso claro — expressa Willers.
Por ser uma doença crônica, o lúpus requer tratamento para sempre. No entanto, Willers destaca que pode haver períodos de remissão dos medicamentos, ou seja, controle da enfermidade, mas sempre com a indicação e acompanhamento médico, em períodos que ela passa a não se manifestar. Para isso, é importante manter hábitos saudáveis.
— Além de tomar a medicação correta e realizar o acompanhamento com o médico, é importante também manter hábitos saudáveis. A obesidade é um fator de risco, o excesso de tecido adiposo está ligado à probabilidade de uma questão inflamatória maior. Embora não tenha comprovação científica sobre a eficácia de dietas anti-inflamatórias, é importante evitar excessos, não comer uma barra de chocolate inteira todo dia, não beber bebida alcoólica todos os dias. Claro, isso tudo somado à prática regular de atividades físicas — orienta Thiago Willers.
*Produção: Lucas de Oliveira