O Parkinson é uma doença degenerativa do sistema nervoso central, crônica e progressiva, que acomete 8,5 milhões de pessoas em todo o mundo – 200 mil delas no Brasil –, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A inteligência artificial (IA) tem sido utilizada na tarefa de compreender melhor a doença.
A quinta-feira (11) marca o dia mundial de conscientização sobre a doença: a data foi escolhida porque foi nesse dia que, em 1755, nasceu o médico inglês James Parkinson, pioneiro na pesquisa da enfermidade.
A tulipa vermelha foi escolhida como o símbolo oficial do mês por causa do floricultor holandês J.W.S Van der Wereld, diagnosticado com a doença. Na década de 1980, ele desenvolveu uma variedade de tulipa – vermelha e branca – batizada de "tulipa Dr. James Parkinson", uma homenagem ao estudioso.
Especialistas dizem que a enfermidade não tem cura, mas há tratamentos e a ciência tem evoluído no entendimento da condição com o uso de tecnologias.
O Parkinson ocorre por conta da menor produção de dopamina no organismo: o neurotransmissor conhecido por estar relacionado à sensação de prazer é também fundamental no controle motor humano. Portanto, entre outros sintomas, a doença afeta o movimento dos pacientes.
— Esse neurotransmissor é responsável por manter a fluidez dos movimentos. Produzir menos dopamina vai gerar, com o passar do tempo, uma degeneração dos neurônios, o que causa os sintomas motores da doença, principalmente a rigidez muscular e o tremor — explica Yuri Felloni, neurologista do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas (HSL).
Relacionar o Parkinson a tremores pode, por vezes, ser um erro: o principal sintoma é a lentidão dos movimentos, segundo o médico. A patologia pode ter origem em uma combinação de fatores genéticos, ambientais e neuroquímicos. O envelhecimento é o principal responsável pela condição, segundo Felloni:
— Em média, 1% da população mundial acima de 65 anos vive com Parkinson. Esse percentual aumenta para 3% no caso dos maiores de 80 anos. Há, porém, outros fatores de risco: múltiplas pancadas na cabeça, pressão alta, diabetes mal controlada e falta de atividade física. Também existem questões ambientais, como a poluição também, ingestão de água de poço e o contato com pesticidas.
Em alguns casos, a enfermidade pode ser evitada com alimentação saudável, prática de regular de exercícios e boa qualidade de sono. Além dos chamados sintomas motores da doença, existem os não motores, como diminuição do olfato, alterações intestinais e do sono.
Sem cura, mas com tratamento disponível
Ainda que ocorra principalmente na faixa etária dos idosos, jovens podem desenvolver a condição. Não há testes capazes de detectar precocemente a doença. O principal modo de diagnóstico é clínico, a partir da identificação de sinais e sintomas. Em alguns casos, os médicos podem recomendar exames como eletroencefalograma, tomografia computadorizada, ressonância magnética, para descartar outras doenças no cérebro que causam sintomas similares. O neurologista é o profissional mais indicado para esse trabalho.
Segundo Arlete Hilbig, coordenadora do Núcleo de Doença de Parkinson e Distúrbios do Movimento da Santa Casa de Porto Alegre, a enfermidade não tem cura e a progressão é única em cada paciente. Em geral, porém, possui um curso lento e os sintomas podem ser melhorados com tratamento adequado, que inclui medicamentos, exercícios e acompanhamento multidisciplinar.
— Não temos evidência suficiente para dizer que as medicações alteram a evolução natural da doença, mas elas mudam a evolução no sentido clínico, de melhora dos sintomas. Os pacientes que fazem o tratamento adequado vivem por mais tempo e aumentam a qualidade de vida — diz a neurologista.
Cirurgias são aliadas no enfrentamento da doença. Atualmente, o procedimento mais utilizado é a implantação de estimulador cerebral profundo (DBS), também conhecida como marcapasso cerebral. O implante pode ser feito no núcleo globo pálido interno ou no núcleo subtalâmico, o que pode reduzir a bradicinesia (lentidão), a rigidez e o tremor. Esse procedimento, no entanto, não significa a cura da doença.
— Não são todos os pacientes que se beneficiam de tratamento cirúrgico; por isso é algo que precisa ser bem avaliado. A cirurgia é indicada quando existe resposta à medicação, mas o controle é difícil pelas complicações – especialmente flutuações motoras. Hoje, na Santa Casa, fazemos uma avaliação cuidadosa para indicar o implante de estimulador cerebral. Depois, é necessário trabalhar na adequação da programação (neuromodulação), para que o resultado seja satisfatório — pontua Arlete.
Pacientes que fazem o tratamento adequado vivem por mais tempo e tem melhor qualidade de vida.
ARLETE HILBIG
Coordenadora do Núcleo de Doença de Parkinson e Distúrbios do Movimento da Santa Casa de Porto Alegre
O Hospital São Lucas também faz o procedimento; o paciente precisa preencher alguns requisitos: não ter alterações cognitivas ou psiquiátricas significativas, ter a doença há pelo menos cinco anos, ter resposta ao tratamento medicamentoso (principalmente ao remédio levodopa) e ter sintomas significativos refratários ao tratamento medicamentoso ou complicações ao tratamento medicamentoso.
— É uma cirurgia moderna, menos invasiva e que gera menos complicações. Um eletrodo é colocado no lugar de fazer uma lesão nas estruturas (do cérebro). Quando o paciente piora ao longo do tempo, a estimulação cerebral profunda pode compensar o agravamento dos sintomas. A cirurgia é pouco divulgada: há vários pacientes que são candidatos e não procuram especialistas para investigação da possibilidade de fazer esse tratamento — diz Yuri Felloni, neurologista do centro de saúde.
Outras iniciativas ajudam no convívio com o Parkinson:
- Fisioterapia: por meio de exercícios físicos, mantém a atividade muscular e flexibilidade articular, já que os músculos tendem a se atrofiar e contrair, o que reduz a força do paciente
- Terapia ocupacional: pode ser auxiliar, ao orientar sobre as atividades da vida diária, assim como indicar condutas que propiciem independência para a higiene pessoal e reinserção no trabalho
- Fonoaudiologia: é importante pois a doença prejudica a coordenação e os músculos que controlam os órgãos relacionados à fala
IA quer melhorar a compreensão da doença
A busca por entender e diagnosticar melhor a doença tem estimulado pesquisas no país. Uma delas é o desenvolvimento de um sensor para detectar a patologia em estágio inicial. Já Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) identificaram uma substância capaz de barrar o avanço da doença de Parkinson.
A inteligência artificial (IA) também tem sido utilizada na tarefa, como é o caso do Laboratório Malta (Machine Learning Theory and Applications Lab), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
A iniciativa conta com um financiamento da Fundação de Michael J. Fox para criar uma plataforma capaz de identificar subtipos da doença com o auxílio da tecnologia; a premissa dos pesquisadores é que há diversas tipos da enfermidade, mas que não são diferenciadas por conta da dificuldade na compreensão.
— Nossa inteligência artificial analisará um conjunto enorme de dados genômicos (de DNA e RNA) em um processo que seria impossível de ser conduzido mesmo com uma equipe grande de pesquisadores. A ideia é encontrar um padrão nos pacientes, para que, depois, outros profissionais possam pegar cada uma das “caixinhas” e tentar descobrir um medicamento ou fazer ensaios clínicos sobre esse subtipo — diz Rodrigo Coelho Barros, coordenador do laboratório.
O trabalho é parecido ao que ocorre no chamado marketing dirigido por dados: usar informações do usuário e encontrar padrões de comportamento para que anúncios sejam enviados conforme o interesse do consumidor.
— Determinadas características fazem com eu saiba o nicho de mercado de clientes. Com essa informação, eu consigo agrupar pessoas com interesses similares e vender para minha marca para elas, por exemplo. Só que, nesse caso, são clientes que têm um gosto parecido entre si, mas diferentes dos outros. Queremos localizar esses subtipos de clientes, assim como no Parkinson queremos encontrar subtipos da doença — exemplifica Barros.
Além de analisar os dados biológicos, os pesquisadores também buscam encontrar padrões em neuroimagens de pessoas com Parkinson.
Os dados dos pacientes são retirados de plataformas destinadas a estudos sobre a doença. O Malta reúne especialistas em análise de dados e IA, e integra um núcleo multidisciplinar de pesquisadores que recebeu um financiamento de US$ 300 mil para criar a inteligência artificial em um prazo de 18 meses; a ideia é finalizar o trabalho no fim deste ano.