Há cerca de um ano, Paulo Marozo Nassif se viu reintegrado socialmente após insistir no uso de um aparelho auditivo. Aos 75 anos, o gaúcho natural de Palmeira das Missões já havia tentado utilizar o equipamento em outra ocasião, mas desistiu porque não conseguiu se adaptar. Desde então, lidava com uma grande dificuldade de interação e com a cobrança da família para procurar um tratamento.
Nassif conta que, em casa, não conseguia ouvir o telefone tocando ou assistir televisão se não estivesse em um volume muito alto. Nos encontros com a família e os amigos, também não conseguia entender o que estava sendo dito, então não podia interagir normalmente. Ao notar o aumento da dificuldade, decidiu procurar atendimento médico, onde foi detectada uma deficiência auditiva severa, em função do avanço da idade.
— Eles entenderam que eu tinha que usar um aparelho e, desde então, estou usando. Com ele, me reintegrei socialmente. Não teve problema nenhum na adaptação e o aparelho funciona perfeitamente. O pessoal não reclama que tem que repetir e eu não preciso mais ficar: “Ahn? Ahn?”, isso acabou — relata o idoso, que atualmente mora em Porto Alegre.
De acordo com o Nassif, o problema de audição começou depois dos 60 anos, em meados de 2014. Destaca ainda que o uso do aparelho melhorou muito seu astral e que os familiares também estão felizes com o resultado:
— Me sinto muito bem e a cabeça melhorou muito. Me sinto mais à vontade, mais aliviado e mais integrado. A interação é bem melhor, a televisão agora é baixinha e, no telefone, eu não falo gritando. Agora está tudo ótimo.
A perda auditiva enfrentada Nassif é ou será uma realidade para praticamente todos os idosos, aponta o chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Sady Selaimen da Costa. O especialista explica que a origem do problema é multifatorial, mas a principal causa é chamada de presbiacusia, que é definida como a diminuição auditiva relacionada ao avanço da idade.
Essa perda auditiva começa em meados da sexta década de vida e costuma ter uma evolução lenta, sendo simétrica e bilateral, ou seja, o indivíduo terá essa diminuição por conta da idade nos dois ouvidos, de formas muito parecidas. Outros fatores têm relação com doenças prévias que comprometem o órgão da audição (cóclea) e são comuns nesta faixa etária, como hipertensão e diabetes.
— Doenças cardiovasculares, que comprometem a circulação da orelha interna, podem gerar uma perda auditiva adicional. Doenças relacionadas ao metabolismo da glicose, como diabetes, também. Alterações do colesterol e triglicerídeos, tudo isso pode afetar a circulação do ouvido interno, que é uma circulação terminal — afirma o médico.
Além disso, há algumas medicações que potencialmente também podem gerar problemas na audição, assim como a exposição ao ruído extremo acima de cem decibéis. Todos esses fatores vão agredindo o órgão e gerando impactos diferentes — maiores ou menores — nos indivíduos. Neste sentido, Costa ressalta que é importante diferenciar perda e deficiência auditiva:
— O quanto essa perda repercute no dia a dia da pessoa, o quanto ela incapacita e isola esse indivíduo, é o que vai definir uma deficiência auditiva. Uma mesma perda para um indivíduo que trabalha no campo e não tem uma demanda auditiva muito grande pode não ser considerada deficiência, mas se a pessoa for violinista, passa a ser uma deficiência. Então, o momento pessoal e individual do paciente tem que ser considerado.
Sinais e avaliação
Daniela Pernigotti Dall Igna, médica otologista do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Moinhos de Vento, comenta que a perda auditiva relacionada à idade é a terceira condição crônica mais comum em idosos. A situação não começa com o paciente perdendo a audição completamente, mas sim ouvindo e não entendendo. Ou seja, o primeiro sinal que o indivíduo vai apresentar é a dificuldade de compreensão da fala, não entendendo ou trocando as palavras ditas pela pessoa com quem está conversando.
— Toda pessoa vai apresentar esse problema em algum grau ao longo da vida. Alguns mais tarde, outros mais precocemente. Alguns terão uma perda auditiva em um grau maior e, outros, chegarão aos 80 ou 90 anos com uma perda leve, que acaba não comprometendo funcionalmente — esclarece.
Mesmo assim, Daniela acrescenta que o problema vai ficando mais comum com o avanço da idade, atingindo de 25% a 40% das pessoas com mais de 65 anos. Na faixa etária a partir de 75 anos, o índice varia de 40% a 66% e, acima dos 85 anos, salta para 80%.
Em relação ao diagnóstico, o especialista do HCPA salienta que a perda auditiva sempre deve ser investigada por meio de uma avaliação médica e audiológica, com a participação de uma fonoaudióloga. Há pacientes que procuram atendimento sozinhos, mas grande parte ainda costuma ser levada ao consultório por familiares, que acabam tendo um papel fundamental neste processo.
— O grau de adaptação e aceitação de um aparelho auditivo de um indivíduo que vem sozinho, de livre e espontânea vontade, é muito maior do que aquele que vem emburrado, com a família inteira reclamando, enquanto ele diz que ouve bem, mas que todo mundo fala baixo — aponta Costa.
O principal exame utilizado no diagnóstico da perda auditiva neste grupo é a audiometria, que é feito com a fonoaudióloga com o objetivo de medir o quanto a pessoa escuta por frequência de som, explica Daniela. O teste é realizado com a emissão de sons (tons puros de diversas frequências) e de palavras, que o paciente deve entender e repetir.
A especialista do Moinhos de Vento sinaliza que, normalmente, sugere a audiometria a partir dos 50 anos. Ao identificar algum grau de perda, é recomendado que o paciente siga repetindo o exame anualmente para avaliar a progressão da perda — o que varia de acordo com cada pessoa.
Indicação de aparelho
De acordo com Costa, a grande maioria dos casos de deficiência auditiva (quase 98%) tem solução atualmente, seja por amplificação ou implantes. Ele aponta que o aparelho auditivo é indicado sempre que a perda repercutir negativamente na vida pessoal, profissional ou social do paciente, sem uma idade pré-definida.
— O que se deve evitar é deixar a audição piorar muito para depois usar um aparelho, porque a adaptação fica mais complicada. Mas também não tem que amplificar todas as perdas, e sim aquelas que têm um significado clínico importante — alerta.
O processo de seleção e adaptação do aparelho, no entanto, faz parte de um planejamento individualizado, que é feito com a fonoaudióloga, depois que o paciente recebe o diagnóstico médico. Costa comenta que alguns equipamentos têm custos elevados, com recursos tecnológicos que a pessoa pode nunca precisar, por isso, é preciso adequar a indicação do aparelho, com suas características físicas e técnicas, conforme a necessidade do paciente.
Daniela afirma que o aparelho auditivo não é apenas um amplificador de som, mas também pode ter diversas outras funções. Os equipamentos analógicos, que eram utilizados antigamente, apenas captavam o som do ambiente, aumentavam o volume e direcionavam para dentro da orelha. Por isso, a adaptação era bem mais difícil. Atualmente, os aparelhos são digitais e reguláveis, com canais de frequência, então, é possível amplificar o som conforme a perda do paciente:
— Por exemplo, a perda da idade é mais para sons agudos, os graves podem estar até normais. Então, o aparelho auditivo consegue amplificar as frequências que o paciente tem perda, não vai amplificar o som todo igual. Outra coisa interessante é que esses aparelhos digitais têm um filtro para ruído do ambiente, ou seja, diminuem os sons que não são vozes, o que dá mais conforto para o paciente.
Alguns dos aparelhos mais modernos também possuem conectividade via bluetooth, permitindo a conexão com smartphone, televisão e outros dispositivos de som. Além disso, os equipamentos atuais são mais discretos. Contudo, o tamanho e o tipo vão variar muito de acordo com a perda auditiva do paciente, ressalta a médica do Moinhos de Vento. Isso significa que os aparelhos mais potentes, muitas vezes, precisam ser maiores.
Ambos os especialistas enfatizam que, mesmo com os avanços, o grau de aceitação do aparelho ainda é um problema, em função do estigma. O alarmante é que, sem a correção adequada, muitos pacientes acabam se isolando devido à dificuldade de interação com outras pessoas, o que pode impactar na saúde mental. Alguns estudos inclusive têm associado a perda auditiva não corrigida ao desenvolvimento de demência nos idosos. Por isso, é importante compreender que se trata de um problema de saúde como qualquer outro, que precisa de tratamento.