Uma técnica cirúrgica desenvolvida no Rio Grande do Sul simplifica e ajuda a melhorar a correção de um problema que atinge em torno de 15% dos adultos brasileiros: o pé plano. O médico gaúcho por trás dessa novidade é José Antônio Veiga Sanhudo, que atua como coordenador do Grupo de Pé e Tornozelo do Serviço de Ortopedia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Em setembro, um estudo realizado por médicos dos Estados Unidos sobre a aplicação do procedimento em cadáveres foi apresentado durante o Congresso Americano de Pé e Tornozelo em Louisville, no Estado do Kentucky.
De acordo com o especialista, o pé plano — também chamado de pé chato — é uma deformidade bastante comum, que pode se manifestar de duas formas. Uma delas se refere à criança que nasce com o problema, sem apresentar melhora no decorrer da vida. Mas, na maioria dos casos, a situação é corrigida automaticamente, sem nenhum tratamento, entre os seis e 10 anos, em função do próprio desenvolvimento.
— Na infância, o pé plano não é uma doença, é um achado normal. Depois, numa certa idade, normalmente pelos oito anos, começa a se corrigir, a formar um arco no pé, porque os ligamentos vão ficando mais firmes — explica.
Há também quem desenvolve o pé plano na vida adulta e, com o tempo, o problema começa a progredir, causando sintomas como dor, dificuldade para caminhar, desequilíbrio e cansaço. Esses são os casos encaminhados para o tratamento cirúrgico. O especialista esclarece que a cirurgia de pé plano é feita há muitos anos e envolve diversas etapas:
— Tem a osteotomia, que é cortar um osso, colocar no lugar, cortar outro. Vai modelando o pé da pessoa, trocando os tendões de lugar, costurando os ligamentos para ficar mais forte. E o que desenvolvemos foi uma técnica para transferir um tendão de um lugar para o outro. Criamos uma etapa que é bem simples e corrige muita deformidade do pé plano. Ajuda a melhorar muito a correção e o resultado da cirurgia.
Diferenças entre as técnicas disponíveis
Sem a técnica, que requer um corte de um centímetro e meio, a cirurgia é muito mais complexa e cara. De acordo com Sanhudo, em substituição à medida inovadora, é preciso fazer uma operação mais na parte da frente do pé, que envolve a colocação de uma placa, parafusos e corte nos ossos. Com esses implantes, os riscos de não consolidar o osso e de infecção também são maiores.
No entanto, quando a pessoa tem uma deformidade rígida, não é possível corrigir com a técnica desenvolvida pelo especialista, então, é preciso utilizar a placa com parafusos também.
Sanhudo conta que, em 2018, publicou o primeiro estudo sobre a técnica chamada tenodese dos fibulares, que significa prender um tendão no outro, no Journal of Foot & Ankle Surgery, uma renomada revista de pé e tornozelo da Europa. O procedimento é feito tanto no Moinhos de Vento quanto no Mãe de Deus Center, além de atender pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
— Temos um programa chamado Pé na Estrada, que é um mutirão em que andamos pelo Brasil inteiro fazendo cirurgias pelo SUS. E, nesses mutirões, realizamos muito essa técnica para correção de pé plano. Já utilizamos em vários casos, é uma cirurgia muito gratificante. Vários colegas já fazem isso aqui no Brasil e no Exterior — comenta o médico.
A difusão da técnica ocorreu a partir da participação de Sanhudo em um congresso, em São Paulo, quando Mattew Conti, um renomado médico dos Estados Unidos, assistiu a apresentação do gaúcho e pediu para levar o procedimento para Nova York. Assim, especialistas da área começaram a utilizar a técnica em cadáveres para identificar o quanto ajuda a melhorar a cirurgia de pé plano.
Os resultados desse estudo internacional foram apresentados durante o Congresso Americano de Pé e Tornozelo em Louisville, no Estado do Kentucky, em setembro.
— Os resultados mostraram que é uma técnica muito útil no tratamento do pé plano. Nós facilitamos muito a correção da deformidade e, agora, a técnica ganhou mais corpo, começou a ser mais utilizada, porque comprovamos os bons resultados. Tem estudo em cadáveres feito nos melhores hospitais do mundo, como o Special Surgery de Nova York, que conseguiu comprovar biomecanicamente o benefício — finaliza Sanhudo, ressaltando que, além de ser muito mais simples e com menos risco, a técnica ajuda a evitar uma recidiva, ou seja, que a deformidade volte a aparecer.